Constituição do Brasil democrático

Constituição do Brasil democrático 150 150 Instituto Palavra Aberta

* Francisco Viana

História e personagens. História de tempos sombrios, história de conquistas, história de liberdade que ganha concretude, que amplia horizontes, que se renova. Personagens que se definem pelas suas atitudes, pelo sentido que dão à política, pela percepção e leitura do tempo, seja na forma restrita e sem amanhã, seja na forma amplia e com sentimento de construção do futuro. Esse é, digamos assim, a essência do livro A Constituição de 1988, 25 anos, a construção da democracia e liberdade de expressão: o Brasil antes, durante e depois da Constituinte.

O título parece ser quilométrico, mas não é. Com a coordenação de Marcos Emílio Gomes, sintetiza com excepcional precisão, e rigor crítico, o que foram os anos que antecederam a Constituinte e que se seguiram à promulgação da atual Carta Cidadã. Logo na abertura duas fotos de forte impacto: a multidão que compareceu à Catedral da Sé, em São Paulo, para o ato ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog e o seu corpo enforcado, parte de uma farsa brutal montada pelo extinto DOI-Codi para tentar ocultar o terrorismo de Estado com a narrativa de um suicídio que nunca aconteceu.

O que aconteceu e veio a público no processo de construção da liberdade de expressão e de imprensa, foi que Vlado, como era carinhosamente conhecido, apresentou-se no dia 25 de outubro de 1975 para prestar depoimento ao DOI-Codi e foi torturado e morto. Estava começando naquele momento o ocaso da ditadura e, com ela, o fim da censura e o renascimento da liberdade. A Constituinte, com o povo nas ruas clamando pelas Diretas Já, consagrou o processo de restauração democrática e a Carta Magna deu alicerce para que as eleições, em todos os níveis se tornassem parte da rotina brasileira.

O livro, nas suas 281 páginas, vai muito além dos 25 anos da Constituição de 1988. Reconstrói o ambiente e as características das Constituições brasileiras, desde o Império. Pode suscitar diferentes interpretações, polêmicas e aplausos, mas um fato é verdadeiro: ao comparar-se as Constituições que ficaram para trás com a Constituição que hoje se afirma, com a sociedade ganhando as ruas, aponta para uma música totalmente nova de liberdade e cidadania. E essa trajetória é reconstituída não apenas pelo narrar dos acontecimentos, mas na riqueza – muitas vezes violenta, brutal mesmo – da vasta galeria de fotografias, cronologia de fatos que marcaram épocas e de depoimentos de personagens com diferentes visões de Brasil.

Pode-se perfeitamente sintetizar a narrativa em dois momentos cruciais:

“Se há uma certeza sobre a Constituição de 1988, ela está na sua capacidade de demonstrar resiliência diante dos acertos e acidentes de percursos vividos pelo Brasil nesses inéditos 25 anos ininterruptos de democracia.”

“Nenhum evento poderia marcar mais democraticamente o aniversário da Constituição do que as manifestações de rua de 2013. Na ampla variedade de reivindicações exibidas em faixas e cartazes pelos manifestantes, muitas coincidem com os pontos mais criticados da Carta, como uma nova regulamentação no universo da política e a distribuição de tributos arrecadados pela União.”

São dois momentos, uma mesma perspectiva: a de uma leitura sem entraves, banhada pela determinação de mostrar as muitas faces do Brasil que nasceu e cresceu não apenas a partir de 1988, mas da sua própria história. Há, nas entrelinhas, um confronto permanente entre a liberdade amordaçada e a liberdade sem mordaças, um Brasil que olha para trás e o Brasil que olha para frente, sempre preponderante, sempre distante dos anos da colonização e do Império.

Em resumo, é um trabalho de claro estilo jornalístico, de clara tendência a vislumbrar a primavera dos tempos, que contém mais questões que respostas e, daí, a sua riqueza. A Constituição de 1988, 25 anos… é um livro para se ler e guardar. Uma história e personagens que, no seu vasto painel, propõe uma pergunta a recorrer: que caminhos seguir para mudar, e mudar para melhor, a vida brasileira?

* Francisco Viana é jornalista e mestre em Filosofia Política (PUC-SP)

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