Em nome da tolerância

Em nome da tolerância 630 345 Instituto Palavra Aberta

* Patricia Blanco

A intolerância no Brasil não tem lugar, nem rosto, nem hora para acontecer. Se manifesta todos os dias, por toda parte. Atinge a todos indistintamente. O que está acontecendo?

Pode ser um político ou candidato a cargo público que é hostilizado; uma pessoa comum, atacada por causa da religião, por ser gay, pelo partido que simpatiza ou um jornalista que é agredido no exercício da profissão. Nas redes sociais insultos e xingamentos viraram lugar comum e perde-se o respeito pelo outro com facilidade. Os casos se sucedem a cada dia, as estatísticas aumentam. O que está acontecendo? Onde está a nossa propalada cordialidade? Que País desejamos construir? Seria a intolerância fruto de um momento singular ou resultado de uma cultura onde o debate é escasso e o autoritarismo ainda dominante?

É preciso dissipar o clima de antagonismo do tipo “nós” e eles e aprender a conviver com as diferenças, discutir sem ofender – insulto não é, nem nunca foi argumento – e desenvolver a cultura do debate, natural das democracias. A intolerância, a violências, o sarcasmo, assim como todos os gestos que buscam o confronto, não constroem. A história do Brasil é marcada pelo confronto, não pelo diálogo, onde chegamos? Há uma desordem histórica, com algum progresso. Se houvesse convergência e debate, o caminho percorrido teria sido mais fácil, menos acidentado e, certamente, com maior avanço. A exclusão social não seria tão preocupante, nem teríamos uma história política marcada pela violência.

Pergunto: se vivemos numa democracia, por que discriminar alguém por pensar diferente? Se os homens são livres, como dizia Sartre, é natural que vejam o mundo de forma diversa e tenham diferentes interpretações e posições diante da história. No pequeno livro O Existencialismo é um humanismo, Sartre toca em um ponto crucial ao falar de liberdade e historicidade. Diz que a essência do homem é a liberdade e que ele, o homem, busca a emancipação, por pouco que seja. É uma bela crítica ao machismo, ao racismo, à homofobia, ao fascismo… Não são mais do que a ideia de que existe uma essência própria de cada raça, de cada sexo, de cada indivíduo e que todos são prisioneiros dela.

Evidente, são preconceitos. Todos os seres humanos são iguais nas suas diferenças. Nem o negro é inferior ao branco, como se pretendia nos idos da escravidão; nem a mulher é inferior ao homem, como se pretende ainda hoje; nem o homossexual é inferior ao heterossexual, como se tornou lugar comum argumentar; a despeito de todos os progressos. Politicamente, então, as discriminações surgem do ódio, da insegurança, da ausência de informação e dos isolamentos. Nada parece mais cristalino.

É importante resgatar os valores humanistas republicanos, com origem nas revoluções francesa e americana, e nos aproximarmos deles. Universalmente aceitos, principalmente a partir da ideia dos direitos do homem, só contribuirão para valorizar a ética da convivência civilizada, o livre pensar e a liberdade de imprensa e de expressão. Outro valor é a transparência, sinônimo de informação que, por sua vez, forma opinião, auxilia nas decisões.

Evidentemente, isto não exclui a tensão dos debates, os conflitos de ideias e as divergências. Mas o importante é a liberdade, a partir da qual podemos pensar e construir uma sociedade voltada para o interesse geral e não apenas deste ou daquele grupo, partido ou ideologia. Pois a liberdade significa, antes de tudo, que todos têm o mesmo direito, inclusive de agir acima dos interesses particulares, na direção do universal e do reconhecimento do outro. Daí, a necessidade de conviver e dialogar com as diferenças. Sem intolerância.

* Patrícia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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