Ameaças fora do lugar

Ameaças fora do lugar 150 150 Instituto Palavra Aberta

* Patrícia Blanco

Esses temas que se incorporam à realidade das sociedades e da imprensa na América Latina, caminham na contramão da democracia. Agora, ao extenso cortejo de ameaças soma-se o confronto aberto entre o governo da Venezuela e a rede CNN.

Com maior ou menor intensidade o cerco à mídia se propaga pela América Central, Argentina, Equador, México, Peru, Venezuela, além de Cuba – onde vale lembrar nunca houve liberdade de expressão – e, também no Brasil, país onde a organização Repórteres sem Fronteiras no Relatório de 2013 aponta como “o mais mortal do hemisfério ocidental”, se o tema for o trabalho jornalístico. Testemunha tal realidade a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, ocorrida recentemente, em manifestações de rua no Rio de Janeiro.

Além de não conter qualquer sentido, como toda violência, é um cerco totalmente fora do lugar. Em parte, porque as modernas tecnologias roubam o oxigênio dos antigos métodos de repressão. Hoje, de um celular, recorrendo ao Twitter, por exemplo, um repórter pode noticiar tudo que acontece numa movimentação de rua. Foi o que aconteceu com a jornalista da CNN que divulgou notícias sobre as mobilizações que se sucedem em Caracas. Poderia ser em qualquer lugar, a qualquer hora, envolvendo qualquer cidadão.

Por outro lado, um governo, seja qual for a sua coloração ideológica, se revelará tão mais relevante quanto for capaz de dialogar pacificamente com a oposição. A era dos guetos doutrinários ficou definitivamente para trás, como evidencia-se a cada dia que a violação dos direitos humanos constitui um trágico desvio dos governos ou manifestantes, exigindo um repensar das formas de fazer política no ambiente democrático.

A capacidade de ler o tempo atual é que irá revelar novas e velhas formas de fazer política. Não é preciso ir muito longe. Quando a blogueira cubana Yoani Sánchez esteve no Brasil foi mais notícia pela crítica que sua presença suscitou do que pelo que tinha a dizer. Casos como esse ganham versões novas no espelho da história e expressam uma estrutura de pensamento democrático paralisada pela imperativa necessidade de reaprender a dialogar com a liberdade de expressão e de imprensa.

Não se pode esquecer que John Milton, poeta e político, autor do imortal O paraíso perdido, apresentou a Areopagítica, o seu discurso pioneiro sobre a liberdade de imprensa, ao parlamento inglês no ano de 1644. Naquela época, a Inglaterra vivia uma revolução, pioneira na história moderna, e havia uma guerra civil em curso. Milton falou com liberdade contra a censura e a favor da tolerância.

Não foi molestado. O embate foi político, não movido pela brutalidade. É uma lição da história que precisa ser revista e interpretada à luz do momento que vivemos. Crises sociais não devem ser argumentos para sufocar a liberdade. Quanto maior a crise, mais a oposição e governos precisam dialogar. E a mídia pode, e deve, ser um mediador eficaz, independente dos fatos que venha a tornar público.

* Patrícia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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