Autoridades potencializam problema da desinformação na área da saúde

Autoridades potencializam problema da desinformação na área da saúde 650 433 Instituto Palavra Aberta

Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

Há uma frase em inglês bastante conhecida: “Don’t shoot the messenger”. De acordo com o Dicionário Cambridge, usa-se essa expressão idiomática para “alertar alguém para não ficar zangado com a pessoa que lhe diz algo ruim”. Em outras palavras, a culpa por uma mensagem negativa não é de quem a enuncia.

Em tempos de excesso de informação, opiniões e boatos, em que autoridades políticas espalham irresponsavelmente desinformação sobre temas de interesse público, inclusive ciência e saúde, não é bem assim. O exemplo mais recente é a declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre uma relação que não tem amparo científico entre a ingestão de paracetamol durante a gravidez e a incidência de autismo.

A reação de entidades médicas mundo afora foi imediata. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressaltou que “atualmente não há evidências científicas conclusivas que confirmem” essa relação. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) afirmou que não existe nada que “exija alterações nas recomendações atuais de uso”. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas e a Autism Science Foundation também se manifestaram nesse sentido. No Brasil, o movimento foi semelhante.

Não é a primeira vez (e com certeza não será a última) que vemos esse tipo de situação: um político fala algo mentiroso, fora de contexto ou impreciso sobre um tema que impacta diretamente a vida da população e, na sequência, associações, universidades e pesquisadores são obrigados a se posicionar. Assistimos a isso, em escala internacional, durante os três anos da pandemia de COVID-19.

Ainda que os discursos institucionais que refutam desinformação sejam contundentes e reportados amplamente pela imprensa, nem sempre têm o efeito esperado — e os motivos são diversos. O tempo de emitir uma nota ou organizar uma entrevista coletiva não é o mesmo da viralização das mensagens mentirosas nas redes. Também não é o mesmo tempo da ciência, que depende de inúmeros fatores, incompreensíveis para a maior parte das pessoas, para investigar causas, formar consenso, passar por revisão de pares, etc.

Ademais, não se acredita mais em certos “mensageiros”, principalmente fontes oficiais, como antes, especialmente quando nos referimos a instituições democráticas, incluindo o próprio jornalismo profissional.

Divulgada no mês anterior, uma pesquisa Genial/Quaest mostra um quadro que vem se complexificando na última década: enquanto 73% dos brasileiros afirmam confiar na igreja católica e 63% na evangélica, essas taxas são de 36%, 50% e 54% quando se referem, respectivamente, aos partidos políticos, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à imprensa.

As dúvidas fomentadas por negacionismo e conspiracionismo navegam com facilidade nesse cenário de crise democrática, baixo letramento científico da população e, principalmente, nas crenças desta. Na queda de braço entre objetividade e subjetividade, quem tem vencido são os vieses ideológicos e valores pessoais, independentemente destes negarem fatos e evidências. A resistência às campanhas de vacinação são uma preocupante consequência disso.

Em texto na sua coluna nesta Folha, o jornalista Reinaldo José Lopes faz uma reflexão crítica sobre o trabalho da imprensa especializada. Para ele, é preciso “encontrar maneiras de discutir em público a maneira como a ciência funciona”, repensando o peso dos discursos oficiais, já que esses podem ser usados “por qualquer lado num debate”.

Para além desse esforço e de marcos legais, como a regulação das plataformas digitais para coibir a monetização de mensagens enganosas, é preciso pensar também na complexa tarefa de educar midiaticamente a audiência, para que o senso crítico e a capacidade de discernir entre informação e desinformação se tornem habilidades prevalentes na hora de avaliar quem é o “mensageiro”, seus interesses, valores e objetivos, bem como o conteúdo do que está nos dizendo.

    Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossa plataforma. Ao continuar navegando, você concorda com as condições previstas na nossa Política de Privacidade.