Bom dia

Bom dia 150 150 Instituto Palavra Aberta

Por Cesar Vitale

Bom dia, Brasil! Hoje é dia 31 de Março de 1983, e você acordou nas ruas de Abreu e Lima, no estado do Pernambuco, para pedir eleições diretas. Já!

Bom dia, Brasil! É dia 11 de Agosto de 1992, e você acordou com a cara pintada de verde e amarelo, no vão do MASP, em São Paulo, para pedir o impeachment do primeiro presidente eleito após a constituição de 88.

Bom dia, Brasil! Hoje é dia 18 de Junho de 2013, e eu escrevo de Santos – SP, de onde assisti você tomar a Avenida Faria Lima e a Avenida Paulista. E a Ponte Estaiada. E Porto Alegre. E o Rio de Janeiro, e a Avenida da Praia, em Santos. E o Congresso Nacional. Bom dia, Brasil.

Lembro do dia, do dia em que a passagem de metrô aumentou. Lembro de descer a escadaria da rodoviaria do Jabaquara em direção ao metrô, meus 3 reais já em mãos, e lembro de ler na plaquinha o preço alterado, sobreposto ao original em fita isolante: Unitário – 3,20. Lembro de caçar mais vinte centavos na carteira, passar a catraca e esperar o trem. E lembro de não fazer a menor ideia de que, ali, naquele momento, eu estava presenciando o começo de tudo.

Os 20 centavos. Os 20 centavos que viraram o problema do transporte público de São Paulo. Os 20 centavos que viraram o problema da educação e da saúde no Brasil. Os 20 centavos que viraram os bilhões gastos em nome da Copa do Mundo. Os 20 centavos que viraram a PEC 37 e a impunidade dos governantes brasileiros. Os 20 centavos que acordaram a minha geração.

Ontem, dia 17 (são, no momento em que escrevo, 4:38 da manhã do dia 18), fui até a concentração do manifesto em Santos, na esquina da Avenida da Praia com a Conselheiro Nébias. Encontrei amigos, sentei, conversei, assisti o movimento com leve desinteresse. Voltei para casa, não participei.

Explico.

Simpatizei, desde o começo, com a causa inicial. O transporte público da cidade de São Paulo é, por falta de uma palavra ainda mais forte, hediondo. O preço precisa baixar e a qualidade precisa subir. Mas, como disse, o tempo foi passando, e o que era um descontentamento com o preço do transporte público em São Paulo virou um descontentamento geral com a qualidade de vida do Brasil.

De novo, não tenho nada além de simpatia pela causa. Eu partilho do mesmo país que todos, da mesma qualidade de vida, dos mesmos trens superlotados, da mesma estrutura pública falída. Eu partilho da mesma indignação com a qualidade da educação e da saúde e com os níveis de corrupção e impunidade.

O que me incomodava, então? Me incomodava a falta de uma coerência. Uma organização, uma meta. Precisamos, sim, ir as ruas, reivindicar nossos direitos, nossa liberdade, nossa justiça. Mas de nada adianta descer a paulista com um cartaz de “ABAIXO A CORRUPÇÃO” empunhado nos braços.

“Não proteste contra a corrupção” Pensava eu, “proteste contra a PEC 37”. “Não proteste contra a qualidade da educação brasileira, proteste pelo investimento do capital do pré-sal nas escolas públicas”. Não batam o pé no chão e gritem, emburrados “está ruim”. Nós sabemos que está ruim. Mudemos, juntos.

“Não demonstrem indignação, apresentem ideias.” Pensava eu.

Pensava eu… Mas a gente pensa tanta coisa nessa vida, não é?

Esse texto, esse texto era para ter sido publicado Segunda. Perdi o prazo. Graças a Deus.

Graças a Deus, porque a algumas horas atrás, recebi no meu Facebook um convite: “ATO CONTRA A PEC 37, dia 22 de Junho, Vão do MASP, 15 horas”. E um sorriso cruzou meu rosto.

Não, o protesto de ontem não foi um protesto incoerente, uma série de demandas e gritos dispersos perdidos no ar e na confusão, não foi um grito mimado de insatisfação genérico e sem rumo. Não foi o bater dos pés e o cruzar de braços de uma país insatisfeito, mas sem nenhuma ideia de como acertar o próprio rumo.

Não. O dia de 17 de Junho foi o despertar. Foi o chamado as ruas (#vemprarua, não?), foi grito que entrou pelas janelas do Congresso e do Planalto, e dos apartamentos dos governantes dos Estados do Brasil. Foi o grito que desceu as escadarias e ecoou pelos corredores desertos dos metrôs falidos das capitais, o grito que ressoou nas filas do SUS e nas escolas com goteiras. O grito que foi ouvido na Europa e nos Estados Unidos e no mundo, o grito que fez tremer a fundação dos Estadios da Copa do Mundo.

O grito que entrou pela janela da minha casa, em Santos, de onde escrevo agora. O grito que acordou a todos nós.

Estamos despertos, Brasil. Acordamos. Levantamos da cama e saimos a rua.

Agora pegamos nossa agenda, nossa longa lista de coisas a fazer. Sacamos do bolso, puxamos a caneta. PEC 37. Investimentos em Educação e Saúde. Copa do Mundo. Estatuto do Nascituro.

A lista continua, e vai, e vai, e vai. Bom dia, Brasil, o dia raiou. E mãos a obra, que ele vai ser longo.

    Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossa plataforma. Ao continuar navegando, você concorda com as condições previstas na nossa Política de Privacidade.