Junho de 2013 e os 20 centavos a mais.

Junho de 2013 e os 20 centavos a mais. 150 150 Instituto Palavra Aberta


Por Marco Resende Rapeli

Há exatos 10 dias, quando os primeiros atos de manifestação começaram, eu estava indo para a agência logo cedo quando sintonizei na minha estação preferida e, entre um clássico e outro, ouço que as manifestações terminaram com quebra de patrimônio público, “baderna” e intervenção policial. Com o sono ainda presente e o conforto, não dei tanta bola assim, e me questionei o motivo do manifesto estar acontecendo apenas agora, com tantos aumentos igualmente grandes e doloridos terem acontecido mesmo em pouco tempo que moro na capital. Com um argumento minimamente racional e pertinente, disse pra mim mesmo que os aumentos vêm da inflação, e que esse filme eu realmente já tinha visto.

Ao contrário do que fez Arnaldo Jabor, não soltei o verbo gratuitamente antes de refinar melhor a opinião e deixar a cabeça funcionar frente aos novos protestos que deveriam vir. Quem de fato me conhece pôde ver. Jabor, assim como Rachel Sheherazade demonstrou ter uma opinião extremamente direitista e reacionária, mas teve alguma decência (ou medo, ou imposição) de repensar e voltar atrás, se retratando via rádio, para quem quisesse ouvir. Bom, até aí tinhamos dois pontos: O preço da passagem aumentou, e a primeira manifestação foi mal vista.

Bastou alguns artigos e um infográfico para que tudo o que eu pensasse fosse pelo ralo: A inflação, há mais uma década está abaixo do reajuste das passagens de ônibus, portanto não se trata unicamente de uma inflação de custo, e manter os R$3,00 ­ já abusivos, não significaria um congelamento de preços ­ portanto, a priori, não teríamos grave consequência econômica.

Passado dois dias, minha opinião, embora pouco mais maleável, procurava alguns conceitos filosóficos ou metafísicos, para entender o burburinho que estava ocorrendo em torno dessa causa. Buscando no repertório mental pesquei logo de cara dois deles. O primeiro é denominado Agenda Setting, que é o processo pelo qual a mídia de massa produzindo conteúdo em cima de determinadas pautas em comum, influencia a opinião pública. O outro, é o chamado Efeito Multidão, em que uma ação feita por alguns indivíduos influencia na ação imediata da grande massa, que muitas vezes repete e “entra na dança” sem qualquer racionalidade ou prudência. De certa forma, eu achei os argumentos certos para definir a origem das manifestações e causas abraçadas: talvez estejamos vivendo um momento em que ambas teorias se fundem, em uma agenda colaborativa onde mídias sociais atuam como o papel da mídia de massa, e a influência esteja ocorrendo de forma bi­lateral.

Pois então, a multidão voltou às ruas, e foi recebida com bombas e balas, ainda que de borracha. Cidadãos tendo que temer a polícia, que em uma tentativa insustentável de manter a ordem, causou a desordem; jornalistas sentindo literalmente na pele a censura bruta, e os governantes em um silêncio incômodo. Logo, tinhamos três pontos: O preço da passagem alto, a primeira manifestação sendo mal vista, e a segunda que teve violência e abuso policial. Vale lembrar que a polícia militar é um ranço da ditadura, portanto uma polícia que tinha a função dereprimir.

Marcado o sexto ato, não hesitei. Me planejei e, conforme previsto, estava lá no meio da manifestação, ouvindo os gritos, vendo bandeiras partidárias e nacionais sendo carregadas, vendo a reação dos pedestres não­participantes… A população foi às ruas. O povo acordou? Não sei. Mas o povo foi pra rua, se engajando por alguma causa. O dia 17 de junho ficou marcado por uma multidão se engajando por causas diversas, em cidades e países variados. Talvez por um nacionalismo/patriotismo arraigado nas novelas e nos filmes que retratam a época da ditadura, talvez como uma gota d’água de fato, talvez pela violência policial, talvez para apoiar os jovens que, corajosos e idealistas, estavam desde os primeiros protestos enfrentando a repressão policial… Ou, de fato, pela redução do preço da passagem. O interessante é que tinhamos uma divergência: cartazes com a frase “Não é só por 20 centavos” se contrapuseram com os gritos contra o aumento.

Pois é, nossa geração, apolitizada e acomodada não sabia muito o motivo pelo qual estava ali. Sensações de Carnaval, Reveillon e Copa do Mundo misturavam­se com o cheiro do vinagre e os gritos de pessoas que, talvez só queriam estar presente em uma possível passagem futura no caderno de história de seus filhos, ou tentando exorcizar a culpa de não ter participado de um movimento forte da juventude, como os “caras­pintadas” ou o “Diretas­já”. Eu mesmo, comentei que Junho de 2013 poderia entrar para a história assim como os protestos de Maio de 1968 na França. Mesmo assim, foco! Eu estava ali por preço justo de passagem, e espero que grande parte também. Foi a briga que eu comprei, baseando­me na simples observação e análise dos fatos.

Antes que formulem uma opinião errada, coloco em bom negrito que achei lindo ver o público saindo na rua, mesmo tendo engolido seco a divergência grande de causas… O que gostei mesmo foi ver o país parando, incomodando autoridades e reinvindicando direitos. Mostramos o poder de parar uma cidade, e (por que não?) de fazer bagunça, sim! Mostramos a força que temos de mobilizar pessoas fora de nossa rede de amigos, de fazer voz na plataforma onde pouco falamos e muito digitamos. Quem sabe não passamos a agir sempre assim? Se os R$3,20 foram mesmo a gota d’água, que passemos a viver com o copo cheio. A população talvez deixe de ser o filho que inveja o amigo e vai pro quarto chorar e passe a ser aquele filho chato, que questiona os porquês de tudo e não deixa você tirar aquela soneca depois do almoço.

Pra quem quiser ver: http://bit.ly/161l0sE

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