Manifestação sim, vandalismo não!

Manifestação sim, vandalismo não! 150 150 Instituto Palavra Aberta

* Patrícia Blanco

De repente, ao território original das manifestações públicas, a reação contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro, foram anexados um vasto universo de protestos contra o sistema de transporte, a inflação, a saúde, a educação e, também, a corrupção. Tudo aconteceu de maneira veloz e avassaladora, tornando dois fenômenos bastante evidentes: a proliferação pacífica de movimentos sociais, das grandes às pequenas cidades brasileiras, e os atos de vandalismos de uma minoria exaltada.

No primeiro caso, as manifestações são uma legitima expressão da liberdade, fruto do próprio desejo de mudanças e, em especial, reformas que as contradições da sociedade brasileira impõem. Não de hoje, mas há muito tempo. A Constituição Cidadã de 1988, a liberdade de imprensa e as eleições diretas, em todos os níveis, suscitaram novas vontades e vêm tornando irreversível que promessas de campanhas políticas se tornem em ações, também irreversíveis. Na essência, a questão do preço das passagens de ônibus foi a gota de água que fez transbordar o caldeirão de anseios que estava abafado na aparente inércia ou indiferença do cidadão.

O vandalismo, por sua vez, é a face deprimente dos movimentos. Culturalmente, tem raízes na própria indiferença com que o patrimônio público é tratado: como é de todos, não pertencesse a ninguém. É diferente do bem privado que tem um dono, um rosto por trás do bem. Certamente, é uma característica que precisa ser superada.

Soma-se, em termos contemporâneos, a própria violência que vem se adensando em meio à sociedade, como se fosse um problema corriqueiro, parte da vida moderna. Não é. Trata-se de uma contraposição enganosa. Manifestações são um direito democrático, depredações são antidemocráticas. Como a violência que vem se infiltrando no cotidiano das cidades.

Um dado ilustrativo foi a conduta de manifestantes em São Paulo que se opuseram a que outros manifestantes depredassem a sede da Prefeitura. Foi providencial. E a cor branca que as imagens das televisões mostraram tinha um sentido cristalino: paz. Da mesma forma aconteceu no Rio de Janeiro, na qual as manifestações chegaram a reunir, num único dia, 100 mil pessoas, mas apenas uma pequena minoria se revelou violenta.

A proteção do bem público por manifestantes e a rejeição à violência foram emblemas de maturidade. Aliás, um elo comum no noticiário da imprensa. As manifestações, não há dúvida, são históricas. A violência uma mancha triste no espaço histórico.

A questão que agora paira no ar é: que lições se podem tirar dos grandes movimentos de massa dos últimos dias?

A primeira grande lição, é que a voz das ruas é legitima e precisa ser ouvida. Não há como ignorá-la. A exigência realista ensina-nos que a representação política deve ser o espelho fiel dos anseios do cidadão. Inclusive porque as manifestações de agora buscam o aprofundamento de direitos que, previstos na Constituição, são inerentes à qualidade de vida.

A segunda lição é que o significado do patrimônio público precisa ser aprendido e sua proteção se transformar em sinônimo de liberdade de expressão. A violência conduz apenas à violência. Nada mais. Violência é primo-irmão do fascismo e da censura, fantasma que não se deseja trazer do passado para o presente.

Conflitos são inerentes à democracia. Todas as grandes democracias modernas foram construídas assim: pelos choques entre o progresso e o atraso, com o atraso sempre perdendo terreno. Roma, como relata Maquiavel, deixou de existir como República democrática quando os choques que caracterizavam a liberdade deixaram de existir. Nada mais alheio, porém, à democracia do que a desordem, o caos e a depredação de bens públicos e privados. Essa compreensão, associada à liberdade de expressão, é que vai transformar o Brasil numa sociedade justa e democrática. Um país moderno cujo nome, nesse e em outros momentos, é pacifismo. A chave das soluções para os problemas da atualidade não está no confronto, mas no entendimento.

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