Roberto Civita

Roberto Civita 550 334 Instituto Palavra Aberta

Íntegra do discurso do presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril, Roberto Civita, no IV Congresso Brasileiro de Publicidade – 2008

É uma honra e uma imensa satisfação participar deste IV Congresso Brasileiro de Publicidade, reencontrando tantos amigos.

A imaginação e a competência dos múltiplos talentos aqui presentes têm garantido para a propaganda brasileira o respeito e reconhecimento no mundo inteiro.

Acredito ser essa uma oportunidade única para refletirmos sobre algumas questões que são a essência de tudo que fazemos não apenas como profissionais do mundo da comunicação, mas também como cidadãos responsáveis.

São reflexões sobre a democracia, a liberdade e a livre iniciativa. Sobre a liberdade de imprensa e a publicidade. Sobre a interligação entre todas elas, seus limites, as ameaças que sofrem e a responsabilidade de cada um de nós nesse processo.

A democracia implica no direito de escolher os governantes sem coação, no predomínio da vontade da maioria, na defesa da diversidade, dos direitos das minorias e no respeito à dignidade humana. Ela garante a liberdade de ir e vir, de pensar, de falar, de opinar, de concordar e de discordar, de fazer e de não fazer, de comprar e vender e de tomar decisões a respeito do destino individual.

A liberdade de manifestação do pensamento, além de se constituir num direito natural do homem, é o pressuposto básico de todas as demais liberdades: política, religiosa, econômica, de imprensa, de associação e todas as outras.

Quando alguém começa a exercer uma dessas liberdades, torna-se cada vez mais difícil negar-lhe as outras. Como disse há muitos anos o grande publicitário norte-americano Bruce Barton: ‘O direito do povo de escolher livremente seus alimentos, suas roupas, seus livros, suas casas é a própria essência da democracia. Não é por acidente que, no regime totalitário, não há propaganda comercial. Desde o momento em que se permite ao povo escolher livremente a qualidade, o estilo e o tipo de artigos que cercam sua vida, não se pode mais impedi-lo, permanentemente, de caminhar para o supremo objetivo que é a escolha de seus governantes e do seu regime de vida’.

Para exercer e manter esses direitos é condição indispensável que a informação também seja livre, como, aliás, garante a nossa Constituição.

Precisamos lembrar, entretanto, que a livre manifestação do pensamento e sua corolária, a liberdade de imprensa, não constituem um fim em si mesmo, mas sim um meio imprescindível para garantir a sobrevivência de uma sociedade livre e democrática.

É igualmente fundamental levar em conta que a livre iniciativa -associada a um bom sistema educacional – é a fonte principal da geração de riquezas e progresso de qualquer país no mundo de hoje.

E a publicidade – parte integrante e essencial das economias livres – ajuda a incentivar a inovação, estimular a concorrência, ampliar mercados e gerar empregos, alargando assim os horizontes e o futuro das nações.

Como já afirmei inúmeras vezes, existe uma indissolúvel interdependência entre democracia, liberdade de imprensa e livre iniciativa, o conhecido tripé que envolve uma das mais extraordinárias simbioses do mundo moderno.

Não custa lembrar que a democracia e a liberdade dependem, para se manter, das informações e da fiscalização que somente uma gama diversificada de veículos independentes pode assegurar.

Por sua vez, os meios de comunicação não subsistiriam sem a publicidade, que não existiria se não houvesse competição, que não teríamos sem um sistema de mercado livre, que depende – fechando esse círculo virtuoso e admirável – da democracia e da liberdade para garanti-lo.

Assim, a publicidade é um dos pilares da imprensa livre e independente. Sem ela, seria impossível manter a quantidade e pluralismo dos meios de informação que divulgam idéias, defendem pontos de vista diferentes, denunciam a corrupção, estimulam o debate político e assim se tornam, nas palavras de Ruy Barbosa, ‘as vistas da nação’. Sem publicidade, repito, não existiria uma imprensa vigorosa, uma imprensa que – sabemos todos e os ditadores mais do que nós – é o alicerce do primado da lei e de uma sociedade aberta.

O principal compromisso dos meios de comunicação não é com o governo, os políticos, os anunciantes, os amigos e nem com os acionistas, mas sim com seus diferentes públicos: os seus leitores, telespectadores, ouvintes e internautas. E com a verdade. É obrigação do jornalista verificar os fatos. Ser responsável. Zelar pela ética. Procurar manter a isenção. E – sempre – fazer o melhor de que é capaz.

Quem ‘elegeu’ os meios de comunicação, quem lhes outorgou o direito de informar, criticar, opinar, investigar, denunciar, divertir e servir? De um lado, ninguém os elegeu (da mesma maneira que ninguém elege a Igreja em que rezamos, a universidade em que estudamos ou o supermercado onde nos abastecemos). Do outro, todos os elegem a cada instante. A imprensa não é um poder estruturado, erigido institucionalmente. O mercado livre, este sim, é a fábrica das eleições, usina permanente de opções. O mercado aberto e sem constrangimentos gera uma multiplicidade de estímulos e demandas que levam à concorrência intensa e constantemente renovada. Esta é a eleição permanente – dia a dia, programa por programa, edição por edição de cada jornal, revista, canal de TV e emissora de rádio.

É também fundamental lembrar que a imprensa não é mais o único meio de acesso à informação: com a chegada da internet, da digitalização de todos os conteúdos e da telefonia celular, a multiplicação e a pulverização dos meios mudaram tudo – e tornaram virtualmente impossível, felizmente, regular ou controlar a disseminação da informação e da propaganda.

Apesar disto, e por mais estranho que possa parecer, continuam surgindo ameaças às liberdades conquistadas e garantidas pela Constituição.

Um exemplo é o excesso de legislação que o Congresso Nacional tenta impor à publicidade. Tramitam hoje mais de 200 proposições para introduzir travas onde não deveriam existir.

São projetos que, de diferentes maneiras, buscam estabelecer restrições crescentemente mais rigorosas à liberdade de expressão comercial. Atenção, por favor: não são restrições à produção, distribuição, consumo ou mesmo à extração de carga tributária adicional de uma determinada lista de produtos. Não. Trata-se apenas de impedir que se faça a publicidade desses produtos fabricados, comercializados e consumidos legalmente, como se, sem a publicidade, o problema percebido deixasse de existir.

Evidentemente, não devemos – a priori – condenar toda e qualquer restrição à publicidade e nem equacioná-la com tentativas de limitar a liberdade de imprensa. Há restrições à publicidade que fazem sentido, como – por exemplo – aquela referente à propaganda de cigarros adotada em praticamente todos os países desenvolvidos.

A própria Constituição estabelece que é da alçada de leis federais impor eventuais restrições à propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias.

Mas não se pode admitir que o desejo de proteger as pessoas contra si mesmas ou de sanear todos os males da sociedade com novas leis leve a absurdos como o da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ter decidido, por conta própria, legislar sobre a publicidade de bebidas alcoólicas e de medicamentos.

O conteúdo de suas propostas é igualmente preocupante. Basta dizer que um regulamento da ANVISA pretende agir sobre a ‘propaganda, publicidade, informação e outras práticas’ a respeito de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada, gordura trans etc. Outro regulamento se refere à propaganda e informação sobre medicamentos, ‘quaisquer que sejam as formas e meios de sua veiculação’.

Ou seja, temos aqui embutidas tanto a limitação da publicidade como também da ‘informação’. Significa isto que VEJA teria que submeter previamente à ANVISA uma reportagem sobre o Viagra ou sobre a Coca-Cola?

Certamente, ninguém deu esses poderes à agência regulatória em questão.

Outros projetos de lei, empenhados na defesa da língua portuguesa, propõem que toda palavra em língua estrangeira venha acompanhada da expressão em português, tanto na mídia como na publicidade. Teríamos de estar preparados, portanto, para explicar palavras como ‘software’, ‘marketing’ ou ‘sayonara’ cada vez que fossem mencionadas.

Há ainda projetos que proíbem a publicidade no telefone celular, a publicidade de produtos infantis e até anúncios que vêm do exterior, mesmo traduzidos. Para não cansar, há um longuíssimo etcétera.

Precisamos, portanto, de uma maneira melhor para encontrar o equilíbrio necessário entre a liberdade absoluta e a vontade de proteger todos contra tudo.

Isto exige bom senso e responsabilidade.

Para mim, a melhor resposta que já encontramos nesta frente espinhosa é aquela do CONAR. O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária já nos dá, há 30 anos, uma esplêndida demonstração de que os publicitários, veículos, anunciantes e, finalmente, o cidadão, têm juízo. A auto-regulação publicitária é um desses casos de triunfo da cultura de boa fé que poderia ser apresentada como um brilhante exemplo de convivência pacífica e democrática de interlocutores que, ao enfrentarem problemas comuns ou terem interesses conflitantes, sentam à volta de uma mesa e resolvem suas pendências, em benefício de todos e da comunidade.

É um precedente de qualidade na gestão de conflitos socialmente relevantes que funciona muito bem há algumas décadas. Por que, afinal, deveríamos trocar isso por algumas leis a mais? Como o país ficaria melhor com isso? Como os cidadãos em geral e os grupos de risco em particular – cujos interesses são freqüentemente invocados – teriam qualquer garantia adicional que nossa experiência do CONAR já não lhes dê? São perguntas incômodas, que merecem respostas ponderadas.

Como disse a respeito da mídia, o exercício da liberdade na publicidade pressupõe o reconhecimento da sua responsabilidade para com a sociedade. Quanto mais defendemos a liberdade – e temos que ser veementes nessa defesa -, maior o compromisso de sermos responsáveis.

Felizmente, a grande maioria dos meios de comunicação, dos anunciantes e das agências brasileiras vem dando demonstrações repetidas de que não apenas sabem disso, como também o praticam no seu dia a dia.

Numa sociedade que ainda guarda na memória os tempos negros da ditadura e da censura, o futuro depende de que o exercício dessas liberdades por todos nós, como jornalistas, publicitários, homens de comunicação, leitores, eleitores e cidadãos seja dosado pelo bom senso, pelo autocontrole e, principalmente, pela responsabilidade. Ainda que isto custe. Sobretudo se custar, como dizia Beuve-Méry, fundador do Le Monde. Só assim será reforçado esse círculo virtuoso da democracia, da livre iniciativa e da liberdade de imprensa – fundamental para o país melhor com que todos nós sonhamos.
Roberto Civitta

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