O risco para a imprensa nas mãos do STF

O risco para a imprensa nas mãos do STF 760 505 Instituto Palavra Aberta

Nesta quarta-feira (29), o Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar o julgamento da tese que definirá a responsabilidade que um veículo de imprensa tem sobre as declarações feitas por pessoas em entrevistas, especialmente se as declarações dadas significarem acusações de crimes e atos ilícitos a terceiros.

Não é uma decisão fácil ou de simples resolução. Uma tese que não observe as garantias constitucionais da liberdade de expressão e de imprensa poderá gerar graves impactos negativos — e quem sabe irreversíveis — no cotidiano das redações e no direito de toda a população a ter acesso à informação.

O caso chegou ao STF só recentemente, mas teve início em 1995, quando o jornal Diário de Pernambuco publicou em sua versão impressa uma entrevista na qual o ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho era acusado de ter praticado um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, em 1968, no auge da ditadura militar. A acusação carecia de provas e o veículo acabou condenado a indenizar a família do parlamentar, já falecido, porque o entrevistado alegou no processo não ter feito tal declaração e já não havia mais gravações da entrevista para comprovar seu teor. Agora, o STF decidirá uma tese geral sobre o tema, ou seja, se veículos de imprensa são responsáveis por acusações feitas em entrevistas em quaisquer circunstâncias.

As entrevistas são um elemento fundamental para o exercício jornalístico. Basta lembrar de casos históricos, como as entrevistas dadas por Pedro Collor ou Roberto Jefferson, que tiveram forte impacto nos rumos do país, entre tantas outras que revelaram fatos fundamentais para nossa sociedade. E se é verdade que entrevistados podem dar declarações polêmicas e até questionáveis a meios de comunicação, muitas vezes as próprias declarações viram notícia, especialmente se envolvem figuras públicas.

Num cenário em que o jornalismo passou por profundas transformações nos últimos anos, em que multiplicam-se entrevistas ao vivo não apenas no rádio, mas cada vez mais em canais de TV com foco em notícias, em plataformas de streaming e redes sociais, uma decisão do STF que indiscriminadamente responsabilize o jornalismo pelo que dizem seus entrevistados terá consequências enormes em termos de autocensura e para a veiculação de informações que servem ao interesse público.

Não se trata de uma preocupação vazia. O assédio judicial, como prática abusiva de usar o Judiciário como forma de intimidar jornalistas e comunicadores, também tem crescido no país. Dados do projeto Ctrl+X, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), registraram, nos últimos dez anos, mais de 6.000 casos em que houve tentativa de cerceamento de um conteúdo jornalístico pela via judicial. Uma tese firmada pela mais alta corte do país que abra margem para pedidos descabidos de responsabilização dos veículos por declarações de entrevistados pode ser um perigoso combustível para esta perseguição pelas vias judiciais.

É imperativo que o jornalismo seja exercido com ética e respeito aos princípios fundamentais da profissão, como a verificação dos fatos e a abertura ao contraditório. Ou seja, é importante que, no seu fazer cotidiano, veículos de imprensa e jornalistas busquem contextualizar declarações, ouvir eventuais acusados e corrigir informações. No caso de questionamentos posteriores, a própria Constituição Federal prevê o direito de resposta.

Mas isso não pode ser confundido com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para o jornalismo: as entrevistas. Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado.

Neste sentido, é fundamental que alguns elementos sejam considerados pelos ministros do STF ao fixar esta tese. O primeiro deles diz respeito ao contexto que a publicação ocorreu, como a já destacada diferença entre entrevistas ao vivo e aquelas publicadas em meios impressos e digitais posteriormente. Mas também as informações que razoavelmente o jornalista poderia ter acesso no momento de apuração, publicação ou veiculação da entrevista. E, principalmente, qual a posição do meio de comunicação diante das declarações proferidas — o que caracterizaria a real responsabilidade do veículo pelo que disse seu/sua entrevistado/a.

Até o momento, os ministros vêm manifestando sua posição sobre o caso em plenário virtual, em que o debate sobre o mérito da questão é necessariamente mais limitado. Considerando que a repercussão geral desta tese vai abranger muitos outros processos, que se diferenciam do caso de fundo do Diário de Pernambuco e que terão um impacto além do jornalismo, por afetarem o direito à informação de toda a sociedade, é importante que o STF discuta em maior profundidade o tema, ouvindo inclusive a posição de outros jornalistas, meios de comunicação e organizações de defesa da liberdade de imprensa.

Esperamos que a tese a ser definida esteja em consonância com a preocupação e o entendimento que o próprio STF já firmou em diversos casos sobre o livre exercício da atividade jornalística, e não crie mecanismos que possam conduzir à autocensura e ao enfraquecimento da liberdade de imprensa no Brasil.

Autores:

Associação de Jornalismo Digital (Ajor)
Instituto Palavra Aberta
Instituto Vladimir Herzog
Repórteres Sem Fronteiras (RSF)
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

Leia o artigo no site Jota.

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