A palavra liberal

A palavra liberal 630 345 Instituto Palavra Aberta

*Patrícia Blanco

No alvorecer dos anos 1950, durante o governo do general José Manuel Apolinario Odria Amoretti, no Peru grassava a corrupção, a censura, as liberdades civis eram muito restritas, não havia partidos e a política tinha sido cassada.

Na Universidade Nacional de San Marcos, em Lima, conhecida como a mais antiga da América Latina, o jovem Mario Vargas Llosa, então estudante de Letras e Direito, só nos livros podia encontrar a liberdade. Foi quando começou a se questionar se deveria seguir a carreira de escritor, que o instigava, e descobriu os existencialistas e as ideias de Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. Os livros vieram em seu socorro, em particular O que é literatura (Qu’est-ce que la littérature) de Sartre, que defendia a tese do poder transformador da palavra. Ou seja, a função do escritor não era tanto criar uma obra, mas uma literatura que enxergasse mais longe e que tocasse a consciência das pessoas.

Foi o princípio do amor pela liberdade, a fonte de inspiração que faria do jovem Vargas Llosa não só um grande escritor, um dos maiores do seu tempo, prêmio Nobel de Literatura, mas também ardoroso defensor da liberdade de expressão. A opção liberal ainda demoraria anos. Llosa foi seduzido, de início, pelas ideias comunistas e, posteriormente, pela revolução cubana, que o impressionava pelo fervor popular e por acolher a todos, comunistas e não comunistas, no começo. Decepciou-se. O regime passou a orientar-se pelo sectarismo e ele se perguntaria: Por que não combinar igualdade com liberdade? Novamente, os livros vieram em seu socorro. Desta vez, foi O ópio dos intelectuais de Raymond Aron. Descobriu que a igualdade pode, e deve ser concebida, na largada, não no ponto de chegada. A liberdade é inaliénavel, mas os homens são diversos, características multiplas, por isso, imperfeitos. Portanto, não pode existir um paráiso na terra onde todos sejam iguais como na Utopia de Thomas More ou nas utopias do século XVIII. Tornou-se um liberal.

A trajetória não se completaria imediatamente. E o círculo só começaria a se fechar com a leitura de Karl Popper – A sociedade aberta e seus inimigos, segundo ele o mais lúcido e atuante pensador do século XX. Foi a luz da chama. Não era só no governo Odria que o autoritarismo se infiltrava em todos os aspectos da vida. Era o traço comum à inquisição, ao nazismo, ao fascismo, ao sectarismo, a cultura da liberdade só vicejaria onde houvesse regime liberais, partidários da liberdade de expressão. No plano da prática, Margaret Thatcher, que foi primeira-ministra do Reino Unido, provou que o liberalismo pode devolver a um país que experimentava lenta decadência, o renascimento econômico e a dignidade. Isto influenciou, e motivou, bastante o escritor e pensador político Llosa.

Mas ainda viriam dois livros, um do brasileiro Euclides da Cunha, e outro do próprio Vargas Llosa. Euclides, com Os sertões, desmistificou a fantasia de que Antonio Conselheiro estava a serviço da monarquia, dos ingleses, e contra a República. Os soldados, repúblicanos, morriam gritando: “Morra, a Inglaterra”. Os jagunços, de Antonio Conselheiro, respondiam: “Viva, Jesus.” E morreu muita gente dos dois lados, sem que a verdade viesse a luma, salvo depois das reportagens que deu origem ao livro Euclides. O livro de Llosa foi uma recriação de Os Sertões, A guerra do fim do mundo. Forma diferente, mesma essência. A conclusão? A defesa do liberalismo e da imprensa: uma imprensa livre, forte, crítica. Uma imprensa que seja oposta a “imprensa marrom”, filha da cultura como diversão (característica do nosso tempo), do autoritarismo e da manipulação. Uma imprensa democrática que sirva de referência e que lide com as diferenças. E amplie sempre o sentido da liberdade. Importante: Vargas Llosa falou no Insper na Cátedra Insper Palavra Aberta de Liberdade de Expressão. Foi aplaudido de pé.

* Patrícia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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