Nem tudo é belo no mundo dos filtros

Nem tudo é belo no mundo dos filtros 1024 683 Instituto Palavra Aberta
Mariana Mandelli*

Imagem: Callie Morgan/Unsplash

Em uma decisão polêmica, a Advertising Standards Authority, entidade que regula a publicidade no Reino Unido, proibiu na última quarta (3) que influenciadores digitais, personalidades e marcas usem filtros em postagens publicitárias no Instagram. O objetivo da entidade é que os recursos ofertados na plataforma não falseiem os efeitos e potenciais dos produtos, especialmente no caso dos cosméticos.

A discussão não é nova: não é de hoje que se debate o impacto negativo que os filtros têm sobre a nossa autoimagem. A banalização da ferramenta é tão grande que a chance de você se deparar com uma foto não manipulada no seu feed ou stories ao abrir o aplicativo hoje é mínima. Praticamente ninguém publica uma selfie ou paisagem sem alterar minimamente cores, saturação, contraste, brilho e afins.

Nos tornamos produtores e editores do nosso cotidiano e da nossa imagem nas redes sem nos darmos conta, e o impacto disso pode ser perverso. É como se cada usuário tivesse a capacidade de um designer que cria capas de revistas, eliminando e corrigindo o que se entende por “imperfeições” físicas, aumentando e diminuindo proporções e apagando manchas na pele. Com o uso frequente desses filtros, é quase possível criar uma espécie de nova persona nas redes, divulgando nelas a nossa versão “melhorada”.

Essa pressão pela imagem perfeita gera expectativas falsas e atinge em especial as mulheres, como não poderia deixar de ser. 

Em janeiro, a morte de uma influencer de 26 anos durante uma lipoaspiração no Ceará (CE) comoveu a internet e recolocou esse tema em pauta. A fatalidade gerou uma forte movimentação no mundo das influenciadoras, levando algumas delas a gravarem depoimentos sobre como se sentem motivadas a aderir a esses procedimentos para sustentarem suas imagens. 

Foi o caso da maranhense Thaynara OG, 28 anos e mais de 4 milhões de seguidores somente no  Instagram. Em um vídeo publicado em seus canais, ela narra como se sentiu influenciada a fazer uma Lipo HD, novo tipo de cirurgia que se disseminou rapidamente entre celebridades e, consequentemente, nas mídias sociais. Thaynara teve complicações e passou dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) até se recuperar.

O poder dessas personalidades digitais em publicizar esses procedimentos como produtos é enorme. Dados do Google mostram que o interesse pelo termo “Lipo HD” cresceu 350% em apenas quatro meses no ano passado, enquanto o Instagram registra cerca de 100 mil postagens identificadas com a hashtag #lipohd. 

Também não é nenhuma novidade que o Brasil é o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo: mais de 1,498 milhão somente em 2018, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) divulgados em 2019.
Mesmo não existindo dados que mostrem a correlação entre redes sociais e procedimentos estéticos, essa reflexão precisa ser feita. Principalmente quando pensamos no público adolelescente que consome avidamente o conteúdo dessas influenciadoras, sem notar que grande parte dele está repleto de filtros e anúncios de produtos e cosméticos “milagrosos”. 

Uma parte da solução para isso está nas próprias mídias digitais. No lugar de simplesmente demonizá-las, é preciso focar no uso fortalecedor delas, inclusive para a construção da autoestima da audiência jovem. Uma das diferenças entre os tempos offline e os dias atuais é justamente a infinidade de fontes e discursos a que estamos expostos, e obviamente nem tudo é negativo. Ao contrário: nunca se teve tanto contato com discussões relevantes acerca dos estereótipos femininos.

Não é preciso procurar muito para se deparar com perfis e páginas que reforçam a diversidade de corpos humanos, debatendo saúde física e mental, gordofobia, deficiências e doenças de pele, entre outras questões, desmistificando padrões, incentivando a aceitação e o desenvolvimento de uma autoimagem sólida e positiva, sem deixar de refletir sobre os riscos das cirurgias estéticas. 

Para que os jovens tenham ainda mais contato com esse universo, é fundamental que as famílias e os educadores se envolvam nesse processo, conscientizando-se, para depois conscientizá-los sobre os problemas e as potências das redes no que tange à autoestima. 

Quem sabe assim o incentivo à leitura reflexiva de imagens e o questionamento crítico sobre peças publicitárias e o papel dos influenciadores se tornem atitudes tão automatizadas como curtir, comentar e compartilhar fotos, memes e vídeos.

 

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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