Os novos contornos da censura

Os novos contornos da censura 1024 576 Instituto Palavra Aberta
Patricia Blanco*

📸: freepik¹

Nos anos de ditadura militar, entre 1964 e 1985, os brasileiros enfrentaram um longo período de censura às liberdades de imprensa e de expressão. O cerco era ostensivo e truculento, muitas vezes envolvendo repressão, tortura e mortes – um dos casos mais emblemáticos foi o do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975.

Com a abertura política e, logo em seguida, a promulgação da Constituição Federal de 1988, o país passou a viver um ambiente de maior respeito às liberdades. Entretanto, de lá para cá, a censura ganhou novos contornos e formas, altamente nocivos às liberdades de imprensa e de expressão.

E uma das maiores vítimas dessa nova forma de censura é justamente o jornalismo profissional, que vem sendo atacado em diferentes frentes. Em uma delas, há a crescente escalada de violência virtual – verdadeiros linchamentos on-line – e também presencial. O objetivo é intimidar o trabalho jornalístico, impedindo sua prática e fomentando a autocensura. 

Do ponto de vista prático, disse a jornalista Sonia Bridi no ciclo de debates ‘Justiça e Liberdade de Imprensa’, promovido pela Escola Paulista de Magistratura (EPM) e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) esta semana em São Paulo, “o alvo primordial daqueles que atacam o trabalho jornalístico não é propriamente o repórter, mas o cidadão, que acaba cerceado do seu direito de acesso à informação e de sua capacidade de tomar decisões conscientes sobre suas vidas e seu futuro”.

Outra frente de ataque se dá por assédio judicial. Os casos mais conhecidos são os da jornalista Elvira Lobato, em reportagens no jornal Folha de S. Paulo sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, e de uma equipe de repórteres do jornal Gazeta do Povo, do Paraná, que produziu conteúdo sobre os altos salários do judiciário no estado.

Nos dois casos, os Juizados Especiais Cíveis (JECs) foram utilizados como instrumento de cerceamento à atividade jornalística. Os profissionais foram alvo de dezenas de ações judiciais simultâneas em várias comarcas espalhadas pelo estado, dificultando o comparecimento em todas elas. Em situações como essas, a ausência do réu caracteriza sua revelia. Ou seja, os processos podem ser julgados sem que a defesa seja ouvida.

Outro tipo de ação predatória à liberdade de imprensa se dá pelos pedidos de retirada de conteúdo ou até mesmo de censura prévia, impedindo a veiculação de material jornalístico. Projeto da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Ctrl+X tem revelado centenas de pedidos como esses, vindos principalmente por parte de políticos.

Por fim, há ainda as ações que se caracterizam como censura econômica, ou seja, ações que se dão por pedidos de indenização milionários, protocoladas por aqueles que usam de condições econômicas favoráveis para exercer pressão. 

É verdade que, em geral, a Justiça brasileira se mostra favorável ao Estado de Direito e à liberdade de expressão. Na sua maioria, as decisões judiciais que censuram organizações noticiosas são de magistrados de instâncias inferiores e acabam reformadas em alçadas superiores. Infelizmente, mesmo quando a arbitrariedade é revista ou sanada, frequentemente depois de meses ou anos, o dano causado ao interesse público é irreversível.  

Não há dúvida de que a melhor via para contornar todos esses obstáculos é a valorização do jornalismo profissional, bem como a preparação de um público midiaticamente educado, que compreenda o valor da informação de interesse público e saiba identificar arbitrariedades que impactam diretamente a sua vida individual e coletiva. Na verdade, o arcabouço legal brasileiro valoriza esse caminho.

Segundo um dos painelistas do ciclo de debates, o desembargador Francisco Eduardo Loureiro, não há censura no ordenamento vigente no Brasil, mas isso não significa que não existam limites para a liberdade de imprensa. De acordo com ele, há três requisitos para se avaliar processos em que uma parte reclama de excessos: a veracidade, o interesse público e a pertinência, não por acaso quesitos básicos que integram a ética jornalística.

Em suma, o trabalho jornalístico realizado dentro das regras do jogo democrático e seguindo os preceitos da ética da profissão, quando censurado, não traz somente perdas para a imprensa, mas para toda a sociedade.

*Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta 

 ¹ Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo 

 

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