Para ler: Verdade Tropical

Para ler: Verdade Tropical 600 430 Instituto Palavra Aberta

Acabo de reler a edição comemorativa de 20 anos de Verdade Tropical, de Caetano Veloso. Para começar é um livro culto: Caetano transita com desenvoltura pelas ideias de Lacan, Heidegger, Proust, Deleuze, Nietzsche, Bertold Brecht, Walter Benjamin, Schopenhauer, Lévi-Strauss, Padre Antônio Vieira e Guimarães Rosa, além das sutilezas da língua portuguesa.

Livro Verdade Tropical _ Foto Divulgacao 22

Assim como crítica a Internet (“li em algum lugar que, com a Internet, a capacidade média, nas pessoas, de concentração para leitura desceu para oito segundos”) e se manifesta contra os preconceitos que marcam a vida brasileira (“no passado, declarou-se homossexual; hoje penso, com mais coragem, que o certo é mesmo dizer não sou nem bi, nem hetero, nem homo… Somos sexuais”).  Ou reconhece que nem “tudo é político”, embora reconheça que “num país de brutal desigualdade como o nosso… a realidade coletiva se impõe.” E diz mais: “…projetos de libertação do homem futuro não podem prescindir de aspectos da doutrina liberal. Por isso minhas inclinações foram sempre para a esquerda crítica.”

Em realidade, Verdade Tropical é uma defesa da liberdade de expressão. Liberdade para criticar as esquerdas e seu projeto estético “dito nacional popular”. Liberdade para compor músicas, sem ser acusado de incentivar o uso de drogas. Liberdade para não “folclorisar” o subdesenvolvimento. Liberdade para atacar “os nacionalistas passadistas” que “tentavam desmerecer e mesmo anular as conquistas da Bossa Nova”. Liberdade… para reconhecer os méritos da juventude brasileira, da Jovem Guarda (como fenômeno de massas) e para ver o panorama da Música Popular Brasileira. Liberdade como a que vivenciou, nos anos de 1960, no diálogo, sem patrulhamento, nem ruptura das amizades, entre personalidades da cultura erudita e da cultura de massas.

Caetano reclama da prisão e exílio em Londres, mas lembra que não fez “nenhum acerto com quem quer que seja” e reconhece que “odiava” a política dos militares. Nunca teve qualquer crença no “milagre brasileiro”, nem na propaganda do “Brasil Grande” ou “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”, símbolos maiores da ditadura. Quem o trouxe de volta, como revela, foi João Gilberto. Ele foi censurado e perseguido, mas nunca deixou de ser doce, livre e sensível. Essa a personalidade que transpira das muitas páginas mágicas de Verdade Tropical.

* Francisco Viana é jornalista e doutor em Filosofia Política (PUC-SP)

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