
União a favor das liberdades e contra a desinformação deve ser fortalecida, diz Roberto Muylaert
União a favor das liberdades e contra a desinformação deve ser fortalecida, diz Roberto Muylaert https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/whatsapp-image-2025-02-07-at-152543-1024x576.jpeg 1024 576 Instituto Palavra Aberta https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/whatsapp-image-2025-02-07-at-152543-1024x576.jpegESPECIAL 15 ANOS DO PALAVRA ABERTA
*Crédito da imagem: reprodução do YouTube-Canal do Museu Brasileiro de Rádio e Televisão (MBRTV)
Em agosto de 2010, data de fundação do Instituto Palavra Aberta, o mundo ainda não tinha ingressado no que ficou conhecida como a era da pós-verdade, em que a desinformação em massa, espalhada nas plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagens, passou a representar um risco global – formalizado neste começo de 2025 pelo Fórum Econômico Mundial. As mídias interativas já existiam, mas a principal preocupação das entidades ligadas ao jornalismo e à publicidade no Brasil era com a necessidade de combater uma série de tentativas de cerceamento às liberdades de imprensa e de expressão, incluindo a comercial.
Segundo o engenheiro civil, escritor e jornalista brasileiro Roberto Muylaert, integrante do grupo que fundou o Palavra Aberta e integrante do atual Conselho Consultivo do instituto, foi em reação a esse cenário que a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP, atual Espaço de Articulação Coletiva do Ecossistema Publicitário) decidiram criar uma organização capaz de desenvolver estudos sobre os impactos econômicos e sociais das restrições às liberdades e, além disso, promover debates a partir dessas pesquisas e campanhas de conscientização.
Em entrevista exclusiva que abre uma série especial em homenagem aos 15 anos do Palavra Aberta, Muylaert relembra os primeiros passos do instituto, destaca o momento em que a entidade também passou a atuar no campo da educação midiática – considerada por ele uma ação decisiva para o combate à desinformação – e projeta os próximos anos para os quais, de acordo com ele, é preciso manter e ampliar o apoio conjunto de veículos e empresas ligadas ao setor de comunicação. “O Palavra Aberta exige muito pouco dinheiro perto das vantagens que ele pode dar ao nosso ambiente informacional”, ressalta.
Palavra Aberta – O Palavra Aberta completa agora 15 anos de atuação, e o senhor participou da fundação do instituto lá em 2010. Qual era o cenário em 2010 para as liberdades de imprensa e de expressão? Como surgiu a ideia de fundar a entidade?
Roberto Muylaert – Naquela época eu era presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), a Judith Brito presidia a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e o Daniel Pimentel Slaviero comandava a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) — Luiz Lara presidia a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (atual Espaço de Articulação Coletiva do Ecossistema Publicitário). E nós resolvemos nos unir de forma mais enfática na busca do que podemos chamar de real liberdade de imprensa. Ocorre que há uma curiosidade em relação à liberdade de imprensa: quando ela é teórica todo mundo gosta, mas quando a prática dela atinge personalidades todo o apoio desaparece.
O que quero dizer com isso? É o que acontece no âmbito de muitos municípios do país, por exemplo: quando o escrutínio jornalístico chega perto na prática a gente via juízes – e isso acontece até hoje em determinada medida – dando sentenças favoráveis à censura por um prefeito de uma cidade que foi criticado pelo jornal local. Quer dizer, o magistrado estabelece a sentença a favor da censura sem passar pela cabeça dele que isso vai contra um artigo da Constituição Federal, segundo o qual a censura é absolutamente proibida no Brasil. Mais ainda: o juiz está ciente de que qualquer cidadão citado em reportagens que ele considera equivocadas pode recorrer à Justiça pelos crimes de calúnia, injúria ou difamação. A verdade é que esse tipo de censura era muito comum na época, e penso que temos um pouco ainda, mas reduziu muito justamente por causa das reações de entidades como o Palavra Aberta.
Palavra Aberta – O instituto também atua na defesa de outras liberdades, certo?
Roberto Muylaert – Sim. Nós nos unimos pelas liberdades de imprensa e de expressão, mas também pelo direito de anunciar, que era algo muito debatido na época. Um caso emblemático foi a proibição de anúncios em programas infantis. O Palavra Aberta acha que é válido o controle de publicidade abusiva – o que está previsto em lei, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), desde 1990. Mas nós entendemos que nem toda mensagem comercial deve necessariamente ser censurada, até porque existe o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), uma entidade privada que funciona muito bem, com a presença de anunciantes, veículos e agências que fazem o devido autocontrole. Ou seja, é perfeitamente válido que mensagens falsas e nocivas, que induzem apenas para alguma coisa negativa, sejam suspensas, mas pelo Conar.
Palavra Aberta – São muitas as pressões por censura, certo?
Roberto Muylaert – Sim. Lembro que, quando era presidente da TV Cultura, me ligou um conselheiro informando o suicídio de um parente e pedindo para que a emissora não noticiasse o fato. Ao manifestar minha solidariedade a ele, respondi que a TV Cultura não tem um jornal dirigido para esse tipo de notícia, mas que, ali do meu lugar, não iria enviar uma mensagem ao jornalismo proibindo que o fato fosse noticiado. Ele ficou furioso comigo, lembrado que era conselheiro e tal… então, isso acontece muito. Todo mundo acha esquisito que jornalistas e repórteres fotográficos estejam presente quando acontece algo importante na sua rua, no seu quintal, na esquina. E, na verdade, eles estão no direito deles e exercendo a tarefa de livre informar a sociedade, o que fortalece a democracia.
Palavra Aberta – Mas como vocês se reuniram? Como surgiu, na prática, a ideia de fundar o Palavra Aberta?
Roberto Muylaert – Bom, o Paulo Tonet Camargo, que atuava na RBS e o jornalista Sidnei Basile, que foi vice-presidente da Abril, tiveram papeis importantes. Basile foi fundamental porque ele tinha uma visão muito ampla de todos os veículos de comunicação, e ajudou muito no início. E nome, muito apropriado, aliás, quem deu foi a jornalista Maria Célia Furtado, que na época trabalhava comigo na Aner, como diretora-executiva. Em seguida, aprovamos o logotipo que expressa, com a distância entre as letras, essa abertura que nós imaginávamos. Logo depois, Basile nos apresentou à nossa atual querida presidente, a Patricia Blanco.
Como presidente do instituto, ela não tinha patrão. Então, alguém poderia imaginar que fosse uma vida mais tranquila, mas a Patrícia jamais deixou isso acontecer, não é verdade? Foi assim que ela e sua equipe lideraram a organização da edição de 2011 da Conferência Legislativa – até então realizada pelas entidades fundadoras do Palavra Aberta –, em Brasília, para debater as liberdades de imprensa e de expressão. Um encontro costurado a partir de contatos com os parlamentares, com o então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Foi um sucesso total que resultou em tradição. Todos os anos, sob a liderança do Palavra Aberta, se faz ampla discussão sobre as liberdades de imprensa de expressão, ideia inicial do instituto.
Palavra Aberta – Há muita diferença no ambiente informacional entre 2010 e os tempos atuais, marcados pela vida digital e pelas redes sociais. Como o senhor vê essa mudança toda e como isso transformou a atuação do Palavra Aberta?
Roberto Muylaert – De fato, a partir da ideia de uma internet livre temos o advento das redes sociais, por meio das quais centenas de milhares de pessoas passaram a ter voz. Vivemos uma época de excessos informacionais que vêm acompanhados do grave problema da desinformação, as chamadas fake news. É tão grave que extrapolou o debate da preservação da liberdade de imprensa, que continua importante, mas deu lugar às discussões sobre os limites da liberdade de expressão. Não há ainda um consenso sobre as redes, que naturalmente devem ter restrições em relação a atitudes criminosas ou, por exemplo, pornografia… mas é o mínimo que se espera. Temos ainda os influenciadores, que se apresentam como um novo tipo de componente do sistema de comunicação que é muito estranho, uma vez que ganham dinheiro falando bem de determinado produto ou serviço, sem o olhar crítico do jornalismo. E aí é que entra outra façanha da Patricia Blanco, o fomento à educação midiática.
Palavra Aberta – O senhor chegou a participar da construção do projeto EducaMídia?
Roberto Muylaert – Não porque o meu negócio é mais antigo, sou o decano do instituto (risos). Mas o fato é que a educação midiática é hoje de extrema importância, e a Patricia e sua equipe acertaram muito em destacar e dedicar a atuação do Palavra Aberta nessa área. Antigamente havia uma distinção enorme entre o que é comercial e o que é editorial. Igreja e Estado não podiam se misturar. Havia clareza sobre o que é opinião e o que é fato. Hoje, isso tudo se mistura na imensidão de informações nas redes sociais. E a educação midiática é decisiva para ajudar as pessoas a separarem o joio do trigo. Todo mundo é editor hoje em dia, mas nem todo mundo sabe o que é hierarquização da notícia. Isso é coisa para profissional, para jornalista. Começa por aí. Esses novos “editores” sabem fazer uma pauta, conseguem identificar os vários aspectos de uma pauta, estão dispostos a ouvir e dar espaço ao contraditório. Tudo isso é desconhecido por esses novos atores.
Daí a importância do trabalho de educação midiática do Palavra Aberta. É fundamental, incluindo os desafios dos celulares que estão na pauta dos dias atuais. Será que nós somos favoráveis a limitar a presença do celular nas aulas? Sou francamente favorável a essa medida que agora virou lei no país, porque é impossível para professor, com giz e quadro negro, concorrer com o smartphone na mão do aluno. Essa invenção, que foi popularizada pelo Steve Jobs, da Apple, é maravilhosa, mas usada de forma equivocada pode causar muitos danos.
Palavra Aberta – O senhor não acha que o jornalismo profissional está muito distante dessa realidade, não tem dado tanta atenção à educação midiática?
Roberto Muylaert – Não sei dizer, no fundo, de quem é a responsabilidade de estabelecer a educação midiática; será que é dos veículos tradicionais? O fato é que os veículos jornalísticos – incluindo o jornal, sobre o qual se fala muito de seu desaparecimento – continuam a ser a fonte primária. Quer dizer, o que a gente sabe sobre Donald Trump, por exemplo, não é exatamente o que está nas redes sociais. É numa fonte mais segura, fruto do jornalismo, que nós saberemos o que realmente está acontecendo. Não sei se Steve Jobs estaria realmente mal com a forma como é aplicada a sua tecnologia – minha filha acha que sim. A verdade é que ele fez a maior revolução que o mundo já teve em termos de individualização do processo de comunicação.
Palavra Aberta – Quais são os desafios do Palavra Aberta para os próximos anos?
Desejo longa vida ao Instituto Palavra Aberta, que atua junto aos temas mais importantes da humanidade. Para isso, é necessário financiamento dos patrocinadores, este é um grande desafio. É preciso manter e ampliar isso, com o apoio de veículos e empresas ligadas ao setor de comunicação. O Palavra Aberta exige muito pouco dinheiro perto das vantagens que ele pode dar ao nosso ambiente informacional.