Organizações da sociedade civil entregam carta em defesa da liberdade de imprensa à equipe de transição

Organizações da sociedade civil entregam carta em defesa da liberdade de imprensa à equipe de transição 730 427 Instituto Palavra Aberta

As principais organizações ligadas às defesas das liberdades de expressão e imprensa, se reuniram, nesta quarta-feira, 07/12, com o GT de Comunicação Social do Gabinete de Transição do Governo Federal para entregar uma carta sobre a situação dos jornalistas no Brasil.

O documento, além de apresentar um diagnóstico preocupante com dados sobre as crescentes ameaças contra a prática jornalística, faz 12 recomendações referentes a vários temas, como segurança e proteção dos jornalistas e o respeito das autoridades públicas ao trabalho da imprensa.

Para essas organizações, é fundamental que o novo governo adote um discurso público que valorize a liberdade de imprensa e a importância do trabalho jornalístico como parte fundamental do processo democrático e que contribua para prevenir a violência contra jornalistas e comunicadores.

As recomendações foram bem recebidas pelo Grupo de Trabalho, que já apresentou alguns encaminhamentos referentes às demandas apresentadas, como, por exemplo, incluir a defesa de jornalistas e a liberdade de imprensa nas proposições do GT, anexando a carta e suas recomendações.

Os integrantes do GT também manifestaram preocupação com a segurança das equipes  escaladas para a cobertura da posse e diplomação do presidente eleito e que irão alertar à organização do evento sobre esses riscos.

O GT também aventou a possibilidade de compartilhar a carta com as assessorias de imprensa de todos os ministérios e sensibilizar profissionais responsáveis pela interlocução com a imprensa sobre o clima de hostilidade vivido por jornalistas desde o fim do segundo turno.

O GT vai recomendar que os ministérios do novo governo atuem conjuntamente para permitir o livre exercício do jornalismo no país e o acesso a informações de interesse público.

A Coalizão foi representada por membros da Abraji (Guilherme Amado), Fenaj (Antonio Paulo Santos e Samira Castro), do Intervozes (Ramenia Vieira e Viviane Tavares), Ajor (Maia Fortes), do Instituto Palavra Aberta (Patrícia Blanco), Tornavoz (Taís Gasparian e Charlene Nagae) e Instituto Vladimir Herzog (Dyego Pegorario).

Abaixo, leia a carta na íntegra.

Carta das organizações da sociedade civil à equipe de transição em defesa da liberdade de imprensa

Diagnóstico

O Brasil vive um cenário preocupante de crescentes ameaças à liberdade de imprensa. Dificuldade de acesso a dados públicos, censura judicial, remoção de conteúdo, ameaças e agressões físicas, campanhas difamatórias, assédio online e impunidade em crimes cometidos contra jornalistas compõem o atual cenário que tem se deteriorado nos últimos anos.

Há muito tempo o Brasil não é um país totalmente seguro e livre para o exercício do jornalismo e da liberdade de expressão. Mas agora observamos um aumento exponencial dos casos de violência contra jornalistas e comunicadores dentro e fora das redes sociais.

De acordo com a UNESCO, 43 jornalistas foram mortos no Brasil entre 2010 e 2020 em razão de sua atividade de informar. Entre eles estão os assassinatos dos radialistas Jefferson Pureza (GO) e Jairo de Sousa (PA), ocorridos em 2018 e ainda sem solução. O país aparece entre as dez nações do mundo com o maior número de jornalistas executados nesse período, junto com Síria, Iraque, Afeganistão, Filipinas e México. Em 2022, dois jornalistas foram assassinados no Brasil: Givanildo Oliveira, morto no Ceará em fevereiro, e Dom Phillips, morto no Amazonas em junho.

A lentidão ou falta de investigação nos homicídios de jornalistas alimenta o ciclo de violência contra a imprensa. No Brasil, a impunidade é a regra. Em 2022, o Brasil ocupava a 9a posição no Índice Global de Impunidade de homicídios de jornalistas, segundo dados do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).

No relatório “Violência contra comunicadores no Brasil: um retrato da apuração nos últimos 20 anos”, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) reconheceu que a inação por parte do poder público sobre o tema “pode gerar a responsabilização internacional do Estado brasileiro, pela violação de compromissos internacionais voltados à proteção dos Direitos Humanos”.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) acompanha a violência contra jornalistas desde 1998 e registrou um aumento incomum e preocupante nos ataques desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Em três anos, foram registradas pela Fenaj em seus relatórios mais agressões a jornalistas do que na última década anterior a 2019, numa evidência de que a violência contra os trabalhadores da mídia foi institucionalizada.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) registrou 453 alertas de violações da liberdade de imprensa em 20215, e indica que no ano de 2022 esse patamar já foi superado com 504 casos identificados de 1º de janeiro a 17 de novembro de 20226. Ainda segundo a Abraji, em 2021, 69% das violações foram de autoria de agentes estatais.

Segundo o Relatório Sombra publicado pela rede latino-americana Voces Del Sur, o Brasil é o país que mais registrou casos de violência de gênero contra jornalistas na América Latina, foram 50 alertas desse tipo em 20218. Em 2022, o projeto “Violência de Gênero contra Jornalistas”, também da Abraji, mostra que mostra crescimento preocupante: já são 127 os ataques com viés de gênero e casos que vitimaram mulheres no Brasil em 2022.

O poder Judiciário também tem sido utilizado para perseguir e censurar o trabalho jornalístico. O projeto Ctrl+X, coordenado pela Abraji, contabilizou 5.732 processos judiciais em seu banco de dados de ações que pedem retirada de conteúdo ou de indenização por danos morais e ações criminais contra alguma publicação jornalística. Além disso, o assédio judicial contra jornalistas tem crescido no país, em casos em que grupos ou pessoas poderosas abusam do direito de ação e impedem o exercício do direito de defesa para intimidar jornalistas e comunicadores.

Nas redes sociais, levantamento da Repórteres Sem Fronteiras com a Universidade Federal do Espírito Santo destaca a gravidade dos ataques contra jornalistas durante o período eleitoral. Cerca de 3 milhões de postagens com conteúdo ofensivo e de descredibilização do trabalho da imprensa, incluindo o uso de mais de 280 hashtags, foram registradas.

Após o resultado do segundo turno das eleições, jornalistas que trabalham na cobertura das manifestações, bloqueios e outros atos antidemocráticos e golpistas que ocorreram em diversos estados do país têm sido alvo de ataques, hostilização, agressões, expulsão e outras formas de intimidação. Eles que já somam mais de 65 casos apurados apenas no último mês, o que traz grandes preocupações com a segurança dos profissionais da imprensa que farão a cobertura midiática da cerimônia de posse do novo presidente eleito, em 1º de janeiro de 2023.

Diante desse contexto hostil, já haviamos manifestado preocupação com os ataques em uma carta aberta alertando para os riscos de violações à liberdade de imprensa nas eleições de 202214. Em agosto, enviamos uma carta compromisso aos presidenciáveis pedindo a adesão dos candidatos e partidos políticos à proteção dos trabalhadores de imprensa durante a cobertura da campanha eleitoral. O então candidato Lula firmou este compromisso. Em nova manifestação pública divulgada no mês de novembro, rechaçamos a escalada de agressões contra repórteres nas manifestações antidemocráticas posteriores ao resultado do segundo turno.

Recomendações

Tendo em vista o grave cenário de perseguição, ameaças, ataques, assédio e violência contra jornalistas, comunicadores e comunicadoras e veículos da imprensa no Brasil, recomendamos que o próximo mandato do governo federal (assim como a equipe de transição) tenha como prioridade:

1. Garantir a segurança de jornalistas e veículos da imprensa na cobertura da transição de governo e na posse do presidente eleito. Sobre a posse, é importante que a segurança alcance também o reportariado que cobrirá in loco manifestações de apoiadores do presidente eleitor e eventuais protestos contrários que possam ocorrer, sem detrimento da liberdade de imprensa e de circulação;

2. Garantir que autoridades públicas se abstenham de proferir discursos ofensivos ou estigmatizantes ou de instigar ataques contra jornalistas ou veículos de imprensa. E que condenem publicamente ações de violência contra o setor. É fundamental que o novo governo adote um discurso público que valorize a liberdade de imprensa e a importância do trabalho jornalístico como parte fundamental do processo democrático e que contribua para prevenir a violência contra jornalistas e comunicadores;

3. Garantir acesso igualitário de jornalistas e veículos de imprensa às informações, atividades e espaços necessários, como coletivas de imprensa, para que possam realizar seu trabalho de cobertura da política nacional. É de fundamental importância que o governo estabeleça relações cordiais e respeitosas com jornalistas e veículos de imprensa que atuem na cobertura do Executivo – presidência, ministérios e demais órgãos relacionados -, garantindo condições livres e seguras para o exercício do trabalho jornalístico;

4. Dialogar, por meio do Gabinete de Segurança Institucional e da Casa Civil, com as organizações das empresas noticiosas e dos profissionais jornalistas para buscar condições dignas e seguras para a cobertura jornalística nas dependências dos palácios do Planalto e Alvorada;

5. Fortalecer o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), garantindo sua previsão legal, recursos e estrutura para seu pleno funcionamento, e adequando o atendimento às necessidades específicas de jornalistas e comunicadores sob ameaça ou situação de risco;

6. Garantir que ameaças e agressões a jornalistas e comunicadores sejam investigadas de maneira célere, para evitar reincidência de situações de grave violência. E garantir investigações céleres, minuciosas e independentes sobre homicídios de jornalistas e comunicadores, que levem sempre em consideração a possibilidade de que a motivação do crime possa estar relacionada ao trabalho jornalístico;

7. Respeitar o sigilo da fonte e as garantias constitucionais que vedam a censura;

8. Não utilizar investigações criminais ou processos judiciais contra jornalistas e comunicadores/as como forma de retaliação a seu exercício profissional, nem com o objetivo de inibir a cobertura jornalística;

9. Levar ao Congresso Nacional o debate de reforma no Código Penal visando a despenalização dos crimes contra a honra, frequentemente utilizados para silenciar a imprensa crítica, e adequando a legislação nacional aos padrões internacionais de proteção da liberdade de expressão e imprensa;

10. Apoiar a elaboração e aprovação de uma lei de proteção a jornalistas e profissionais da comunicação, prezando pela participação social e considerando iniciativas em discussão, como o modelo latino-americano desenvolvido por organizações da sociedade civil regional;

11. Recuperar e fortalecer a autonomia e o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC);

12. Garantir que o governo acompanhará o cumprimento e o desempenho da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), após diversas tentativas da gestão passada de minar o dispositivo legal e de impedir o poder de fiscalização da sociedade, afetando questões de transparência ativa e passiva, e, muitas vezes, prejudicando a apuração de trabalhos jornalísticos robustos.

Brasília, 7 de dezembro de 2022.

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Associação de Jornalismo Digital (Ajor)
Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ)
Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
Instituto Palavra Aberta
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes
Tornavoz
Repórteres sem Fronteiras (RSF)

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