Palestra do Deputado Sandro Alex na 10ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão
Palestra do Deputado Sandro Alex na 10ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Foto-04_Deputado-Sandro-Alex.jpg 640 426 Instituto Palavra Aberta https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Foto-04_Deputado-Sandro-Alex.jpg10ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão (12 de maio de 2015)
Tema geral da conferência: “A Censura na atualidade – do politicamente correto à intolerância”.
Painel I – “As novas faces da censura e o desafio do cotidiano da defesa da liberdade de expressão”.
Agradeço ao convite e me sinto honrado com a possibilidade de contribuir com este debate que fortalece a democracia.
O tema deste painel é desafiador. Para enfrentá-lo é conveniente recordar os fatos históricos, tentar alinhar os riscos que enfrentamos no presente e ficar alertados para impedir que no futuro, as mazelas que enfrentamos no passado, se repitam.
Nesse sentido recordo os anos sombrios da ditadura militar e reproduzo alguns trechos do Ato Institucional nº 5, de 1968:
“ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968
Art 9º – O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas “d” e “e” do § 2º do art. 152 da Constituição.”
“CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967
Art 152 – O Presidente da República…
§ 2º…………autoriza as seguintes medidas coercitivas:
e) censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas; …”.
É muito difícil nos dias de hoje imaginar como se trabalhava nas redações dos jornais naquela época, com a censura prévia, maior de todas as violações ao princípio da liberdade de expressão. Durante praticamente uma década, a partir da promulgação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, a mídia brasileira sofreu censura de duas formas diferentes.
Na maioria dos veículos de comunicação – jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão – aceitava-se a censura feita à distância. Recebiam-se instruções dadas pelo telefone, ocasionalmente por escrito e raramente em contato direto, para que informações não fossem divulgadas e para que temas não fossem abordados. Os telefonemas eram quase sempre anônimos, mas todos sabiam de quem partia. Em um pequeno, mas destacado número de veículos havia a presença física do censor. Era ele que, superpondo-se à direção profissional, determinava o que podia e não podia sair. A simples existência dos instrumentos de arbítrio exercia pressão deletéria sobre os veículos de comunicação conduzindo à autocensura.
Nesse processo de coerção, a grande prejudicada, evidentemente, foi a sociedade brasileira, privada de informações de extrema relevância. Sobre esse período sombrio, vale citar trecho da pesquisa do Prof. Eduardo Brito da Cunha, da UNB, mencionada na conferência que proferiu no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 2011:
“A partir de 1975 a censura abrandou-se aos poucos, mas só a Constituição de 1988 redefiniu e afirmou a liberdade de expressão, concebendo-a como um direito difuso.
Se o Brasil conta hoje com um ordenamento jurídico capaz de reconhecer a liberdade de expressão e de lhe dar proteção adequada, assiste-se em quase toda a América Latina uma onda repressiva que, mesmo lá fora, só pode nos preocupar.
Como se sabe, surgiu na última década o que poderíamos chamar de ditaduras de terceira geração. Os novos regimes de força têm características próprias. Embora originalmente legitimados por processos democráticos, recorrem a expedientes do cesarismo, como plebiscitos e referendos, para anularem esses mesmos instrumentos democráticos que permitiram sua ascensão.Seu alvo, a liberdade de expressão.
Existe toda uma retórica pronta. O presidente da Venezuela, Hugo Chavez, costuma[va] referir-se a uma permanente “luta contra as mentiras da burguesia e da oligarquia” de que a mídia seria não apenas vetor, mas formulador. Fala também em eliminar o “latifúndio midiático”. Com isso a Venezuela registra uma sequência de ações restritivas contra a mídia. Houve, por exemplo, a proibição de uma campanha publicitária promovendo o direito à propriedade privada; imposição aos canais de TV a cabo para que transmitam ao vivo os discursos do presidente; proposta para limitar a capacidade das estações de rádio de agrupar-se em circuito, a fim de estender sua cobertura a todo o país.
De uma só penada foram fechadas 34 emissoras privadas de rádio e televisão, alegando-se que operavam ilegalmente, e anunciou-se no mesmo dia o possível fechamento de outras 206 consideradas de oposição. Em sete anos, a Venezuela caiu do 77º para o 133º lugar no ranking de liberdade de imprensa organizado pelos Repórteres sem Fronteiras. A procuradora geral de Chávez encaminhou à Assembleia Nacional a lei dos delitos midiáticos, que criminaliza as opiniões que não forem ao encontro das posições e políticas oficiais.
Na Bolívia, a recém-elaborada Lei de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação abrange todos os meios, inclusive a internet. Com ela, o setor privado passa a ter direito apenas a 33% das licenças de rádio e televisão, enquanto o Estado fica com 33%. Povos indígenas e meios a serviço de organizações pretensamente comunitárias – em geral partidárias do presidente Evo Morales – terão 17% cada. A Associação Boliviana de Emissoras de Rádio informou que cerca de 400 estações podem fechar até 2017, quando vencem suas licenças, se realmente houver restrição aos grupos privados.
Até na Argentina, onde o clima de violência é menos visível, registram-se casos claros de perseguição a jornais e jornalistas. O Clarín enfrenta tortuosa ação judicial, de clara inspiração no governo, por buscar um jornalismo independente. Assim como o Clarín, o La Nación e outros jornais sofreram ações patrocinadas por setores ligados ao governo, em represália ao jornalismo que fazem. Houve até boicote publicitário a um jornal, o Perfil, que precisou recorrer à Corte Suprema para obrigar o governo a incluí-lo na pauta publicitária do Estado argentino.
Haveria alguma razão para, aqui no Brasil, nos preocuparmos com essas questões que parecem afastadas de nossa realidade? A resposta é positiva porque se percebe com muita nitidez a presença da ideologia que atinge nossos vizinhos. Senão vejamos: na esteira dos desmandos e dos escândalos que atualmente estarrecem nossa sociedade, os governistas advogam a necessidade premente do CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA. Seria possível dizer, claro, que essa iniciativa não foi adiante e que o próprio governo não a colocou na pauta do Legislativo. Não importa, porque a ideia está entranhada em estratos político-partidários que se confundem com a estrutura estatal. E ideias como essa podem ressurgir a qualquer momento.
Apresenta portanto, analogia significativa com as vizinhas ditaduras de terceira geração. Dela difere apenas porque nossas instituições, menos esgarçadas que as dos vizinhos, não permitem que operem com a brutalidade de lá.”
“Qualquer jornalista que circule pelos bastidores do Poder ouve referências frequentes ao que chamam de PIG, o Partido da Imprensa Golpista. Crêem, sinceramente, que jornais e jornalistas não existem para informar, mas para se opor ao projeto de poder que acalentam. Uma busca rápida na internet se tem a dimensão do trabalho de difamação orquestrado.
Desse tipo de concepção decorre outra proposta legal, a de se constituir um marco regulatório para as comunicações. Repetem-se as questões referentes aos conselhos. Que marco seria esse? O que constaria dele? Mais importante de tudo, quem o redigiria? Nesse caso, porém, há algo mais a considerar. Pela concepção original, o marco regulatório teria um guardião. E esse guardião seria o governo. Seus defensores costumam invocar, como prova de boa fé, o exemplo britânico, onde existe um marco regulatório.Falso. No Reino Unido o controle é privado e o marco [regulatório] se aproxima muito mais do Código de Autorregulamentação Publicitária do Conar do que das propostas que ainda circulam no Brasil.”
Reitero que os defensores da regulação da mídia usam argumentos que nada tem a ver com a sua preocupação: a revelação pela mídia das falcatruas, do tráfego de influência, da corrupção no seio dos órgãos públicos e das estatais, tudo feito com a complacência dos governantes que se locupletam dos crimes de lesa pátria que vem sendo cometidos no Brasil. Por isso, para alguns segmentos, urge acabar com a liberdade de imprensa, mas de forma velada, sob o manto da expressão difusa CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA.
No Brasil, pensava eu, estamos a salvo porque a liberdade de imprensa foi esculpida a ferro na Constituição Federal editada em 1988, após os anos negros da ditadura militar. Para relembrar, cito o art. 5º da CF que dispõe:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:
…
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
…
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
…
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
…”
Além disso, a Constituição Federal, em seu Título VIII – Ordem Social – reservou o Capítulo V para tratar da Comunicação Social. Inserido nesse capítulo encontra-se o artigo 220 que dispõe:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
…”.
Mas, será que há tentativas de modificar a Constituição?
Nesse sentido me empenhei na análise de pesquisa cuidadosa efetuada pelo Centro de Informação e Documentação da Câmara dos Deputados – e aqui agradeço ao empenho dos seus servidores. Essa pesquisa apurou que, felizmente, não tramitam projetos de emenda à Constituição que maculem os artigos acima citados. Em relação às demais proposições, existem 191 Projetos de Lei em tramitação, os quais, apesar do número elevado, referem-se na grande maioria, à classificação indicativa da programação e à regulação da publicidade.
Quanto à regulação da publicidade, lembro que o Brasil se destaca positivamente nessa área. Dispõe de um dos mecanismos mais modernos do mundo para fazer o controle da publicidade – o CONAR – que é contra a censura na publicidade e surgiu diante de uma ameaça, nos anos 70, de o governo federal sancionar uma lei criando uma espécie de censura prévia à propaganda. Contra essa ameaça surgiu a idéia de “autorregulamentação”, inspirada no modelo inglês. E sua implantação se deveu ao esforço de alguns dos maiores nomes da publicidade brasileira, na época. Assim, em 1977, nasceu o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com a função de zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os interesses das partes envolvidas no mercado publicitário, inclusive os do consumidor. As autoridades da época foram convencidas a engavetar o projeto de censura prévia e confiar que a publicidade brasileira era madura o bastante para se auto-regulamentar. O êxito da difícil missão – na época da ditadura – foi absoluto: em poucos meses, anunciantes, agências e veículos subordinaram seus interesses comerciais e criativos ao Código, que passou a vigorar durante o III Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1978. Logo em seguida foi criado o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, conhecido pela sigla Conar, uma organização não governamental encarregada de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
Contando com um mecanismo tão eficiente e eficaz, não parece razoável apresentar ou fazer prosperar proposições com o objetivo de regulamentar a publicidade, em geral travestidas de boas justificativas, mas que no fundo restringem a liberdade de expressão.
Cercear a liberdade de expressão é uma tentação dos governos totalitários. Essa ideia emergiu no governo anterior, defendida pelo então ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Franklin Martins. Ele exerceu o cargo de 2007 até dezembro de 2010 e defendia o “controle da mídia” apelido dissimulado de censura. Em seminário promovido pela TV Cultura, em 25.11.2010, o então ministro Franklin Martins afirmou que os debates sobre a regulação da imprensa – com destaque à desconcentração econômica do setor, obrigações de conteúdo e normas para o direito de resposta – iriam ocorrer com ou sem a participação dos principais veículos de comunicação do país. E disse mais:
“Vamos nos desarmar. Nenhum setor tem o poder de interditar a discussão. Está na agenda. Será feita, ou num clima de entendimento ou de enfrentamento. Ela vai acontecer de qualquer jeito.”
Mesmo com a saída de Franklin Martins do governo, em 2010, essa ideia não foi descartada e volta e meia volta a assombrar. Os seus alegados benefícios para a sociedade são bombardeados cotidianamente pelos asseclas do governo, notadamente por meio dos sites e blogs “chapa-branca”, em geral financiados direta ou indiretamente pelo governo. Essa verdadeira lavagem cerebral, é preciso reconhecer, vem sendo feita com muita competência, mediante o uso de tecnologias avançadas e métodos sofisticados de persuasão. No entanto, embora os argumentos utilizados apontem em outra direção, suspeita-se que a intenção verdadeira seja impedir que venham à tona as notícias desfavoráveis ao governo de plantão.
Recentemente, em 29 de abril, o ministro das Comunicações compareceu a esta Casa, a convite da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e brindou a todos com suas explicações acerca do programa de sua pasta. No entanto, quando foi perguntado sobre o tema que ora discorremos, defendeu a liberdade de imprensa no contexto do CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA. Depreendemos de suas explicações que o controle social serve para tornar a imprensa “amigável” e, quando passar a criticar as políticas governamentais, deve ser submetida ao chamado “controle social”. Pelo menos esse é o sentido da pregação de governantes que desqualificam jornalistas e veículos de comunicação que ousam fazer análises econômicas desfavoráveis ao governo. Há exemplos concretos: em 08 de agosto de 2014 foi publicado que a rede de internet do Palácio do Planalto foi usada para alterar os perfis, no site Wikipédia, dos jornalistas Carlos Alberto Sardenberg e Miriam Leitão. Os dois são colunistas e comentaristas da TV Globo. Foram incluídas informações falsas, mentiras e críticas nos perfis dos jornalistas na enciclopédia virtual, conforme denúncia publicada no jornal O Globo e todas as alterações, repito, foram feitas a partir da rede de internet do Palácio do Planalto, em episódio constrangedor.
A boa notícia é que, apesar de tudo, ainda há autoridades que não se deixam intimidar pela campanha em favor do CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA. A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, recentemente, disse que não pode haver nenhuma lei que possa levar a qualquer tipo de controle sobre a imprensa. Convidada para falar no Fórum Liberdade de Imprensa e Democracia, realizado pela revista Imprensa, em Brasília, no dia 04 de maio de 2015, ela disse: “a opressão não tolera a imprensa livre”. A ministra ensinou que todas as Constituições defendem a imprensa livre, mas isso depende de como cada governo entende o que venha a ser imprensa livre. Penso que aí mora o perigo.
A outra vertente que em minha opinião deve ser combatida é a chamada “regulação econômica da mídia”. Parece tratar-se de outra forma camuflada de censura e, nesse ponto, acompanho a posição da ministra Carmen Lúcia que no mesmo evento acima citado também se posicionou contrária a esse tipo de limitação pelo mesmo entendimento. Quanto à regulação da mídia, a ministra disse ser desnecessária porque “a imprensa sabe perfeitamente como atuar” disse ela, e acrescentou: “dos excessos se encarregam as leis que já existem”. Digo eu: quem se sentir caluniado, desrespeitado, que procure a reparação pelos meios legais e o direito de resposta.
Para finalizar:
• Defendo o combate irredutível ao CONTROLE SOCIAL DA MIDIA por acreditar, com muita convicção, ser nefasto ao aprimoramento da democracia.
• Defendo a cultura do debate respeitoso entre quaisquer interlocutores, no contexto da absoluta e ilimitada liberdade de expressão.
• Defendo o combate irredutível à intolerância racial, religiosa e de gênero, que no meu entendimento, só poderá ser efetivo por meio do aprimoramento da educação de nossas crianças, com valores plurais, para que no futuro, eles curem nossa sociedade das mazelas da nossa geração.
Ninguém virá de forma direta dizer que é a favor da censura. Ela virá através da dissimulação de termos como controle e regulação e por isso a sociedade deve estar vigilante para combater diariamente!
MUITO OBRIGADO.
Fontes:
Constituição Federal, 1967;
Ato Institucional nº 5, 1968;
Constituição Federal, 1988;
Sistema de Informação Legislativa – Câmara dos Deputados;
Liberdade de imprensa, hoje – Conferência no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, proferida em 23 de agosto de 2011 por Eduardo Brito da Cunha. Professor da UnB e jornalista.