Senadora e Presidente da Fundação Milton Campos, Ana Amélia Lemos

Senadora e Presidente da Fundação Milton Campos, Ana Amélia Lemos 150 150 Instituto Palavra Aberta

A árvore da liberdade, como todas as grandes árvores, não é plantada para produzir seus frutos no dia seguinte ou nos próximos meses. Quando uma sociedade, em determinado momento de sua História, decide plantar a generosa semente da liberdade e da democracia, sabe que está começando um longo processo que requer, de todos, comprometimento, tolerância e protagonismo.

Celebrando hoje os 25 anos da Constituição de 1988, acreditamos que são apenas os seus primeiros 25 anos. O maior símbolo da liberdade em nosso País é a crença coletiva que sua História avance mais e mais no presente e no futuro e que as novas gerações tenham a chance que hoje temos: o protagonismo da sociedade na construção de um país verdadeiramente democrático. A Carta de 1988 empoderou o povo.

Esses 25 anos, na verdade, passaram muito rápido e, ainda assim, como nosso país mudou! Nossa democracia se consolida para além de qualquer dúvida, no continente e no mundo. Nossa estabilidade política é contemplada, com respeito, por nossos aliados do passado e do presente.
Quantos foram os caminhos abertos! Por eles afinal chegamos à estabilidade econômica, ao respeito aos direitos das minorias e aos contratos, à alternância no poder, em todos os níveis de governo, com que só as grandes democracias podem sonhar.

É este o prêmio da liberdade, da liberdade mais fundamental de todas: a liberdade de expressão.

Por que antes mesmo do voto, vem a voz. A voz que se queixa da injustiça, depois protesta nas ruas, por fim é ouvida nos parlamentos. Não faz muito tempo, aliás, a sociedade brasileira foi novamente movida pela voz livre das mulheres e homens. Quão poderosa ela é!

Naqueles primeiros dias de Constituinte, lembramos bem, como parecia perigosa e frágil essa liberdade. Conhecemos bem a história. A nossa e a dos outros.

Sabemos da voz tentadora dos que se apresentam como grandes líderes, que gostam de falar pelos outros. Conhecemos a índole dos que falam alto, não porque estão revoltados, mas porque querem calar os demais em nome de grandes ideais.

Pela primeira vez em nossa História, contudo, a intenção de uma assembleia nacional constituinte era começar do zero, enfrentar todos os riscos, todas as ameaças em nome de um grande compromisso: dar a todos a chance de ser ouvido. O protagonismo que, aliás, vemos todos os dias, aqui mesmo, na Esplanada e na Praça dos Três Poderes.

Esse era o espírito generoso que se espalhou pela legislação partidária, pelos regimentos da Assembleia Nacional e do Congresso, pelas amplas comissões temáticas e de sistematização: dar a todos a chance de serem ouvidos. Voz para os analfabetos, para os maiores de 16 anos, para o cidadão comum. Protagonismo real, não apenas retórico.

O país talvez tenha pago um custo por tanta discussão, tanto debate, tanto discurso. Algumas vozes disseram que o país não teria governo, mas Ulysses Guimarães nos lembrou que ingovernável é a fome e a miséria. Todo o resto pode e precisa ser governado pelo diálogo e pela responsabilidade.

Hoje, quando assistimos pela televisão as sessões, ao vivo, da Câmara, do Senado, das Assembleias Legislativas, das cortes superiores, em tempo real, nem nos damos conta do quanto devemos ao espírito da Carta de 1988.

Hoje, quando lutamos no Congresso pelo voto aberto em todas as votações, sem temer pressões de governos ou das ruas, não nos damos conta de que trilhamos pelos caminhos abertos pelo espírito de 1988.

Nada deve ficar oculto. Tudo deve ser dito e feito às claras, diante do Povo e o Povo deve continuar a ser ouvido, um diálogo agora exaltado e multiplicado pelas redes sociais, ferramenta que tem contribuído para o protagonismo individual e coletivo.

Falo com entusiasmo sobre a necessidade fundamental da liberdade de expressão. Sou senadora pelo estado do Rio Grande do Sul, mas toda a minha vida profissional foi dedicada à informação e à comunicação.

Por vezes, pensamos que a liberdade de expressão é apenas uma necessidade política, mas quero dizer que esta é apenas uma parte da história.

O político e o jornalista, em seu trabalho, precisam da liberdade de expressão certamente, mas também a mulher vítima da violência doméstica ou da discriminação no trabalho.

O cidadão que é mal atendido no posto de saúde ou na delegacia de polícia também precisa de liberdade de expressão.

Quem vive sob ameaça de violência, cidadão ou juiz, homem de bem ou policial, precisa da liberdade de expressão.

Os que têm algum conhecimento relevante para a sociedade precisam de liberdade de expressão. Os que têm medo. Os que sofrem. Os que estão esquecidos. Os velhos e os jovens. Todos precisamos da liberdade de expressão.

Os constituintes de 1988 talvez estivessem pensando, em suas decisões, na heroica liberdade de expressão da política, mas ao longo dos últimos 25 anos deram voz a muitos mais.

Por isso, essa liberdade não pode estar vulnerável aos governos do momento, nem aos de amanhã. Por isso, deve ser defendida com leis, mas também com sentimentos e com vigilância. Nunca apenas uma voz é calada.

Daí o orgulho com meu envolvimento com o processo constituinte. Não era deputada, nem senadora, evidentemente, nem mesmo pertencia ao mundo da política.

Estava participando, narrando, como jornalista, os passos trilhados na construção da Carta de 1988, pelos constituintes, pelos movimentos sociais, pelos setores produtivos e profissionais deste imenso e diversificado país.

Como em qualquer tempo, quando se discute a relação entre política e informação, entre governo e imprensa, surge a tentação da chamada regulação social.

A liberdade de expressão é uma liberdade muito inconveniente porque incomoda figuras públicas, de todos os matizes e setores, que são alvos de denúncias. Tem sempre alguém achando que sabe o que é melhor para a liberdade dos outros.

Guardo muitas e boas lembranças das reuniões com lideranças de expressão, então e agora, diretamente envolvidas com esse debate. Nomes que pertencem à história do Brasil como Bernardo Cabral, Delfim Netto, Nelson Jobim ou Miro Teixeira, como eu, jornalista.

O texto da Constituição brasileira certamente é hoje muito menos relevante do que o espírito que prevaleceu nos últimos 25 anos. São poucos os países que contam com o ambiente de liberdade de expressão como o que é vivido no Brasil. Isso não pode mudar!

Um breve exame da situação de nossos vizinhos de América Latina é suficiente para constatar uma perigosa realidade, quando se trata de liberdade de expressão.

Assim, quando a internet chegou ao Brasil, já chegou livre, incontrolável, intributável, fora de qualquer marco, trazendo ainda mais liberdade e protagonismo aos que eram livres, ampliando o efeito das campanhas eleitorais, tornando os brasileiros líderes em participação nas redes sociais mundiais.
Esses fatos podem parecer aos mais jovens coisas corriqueiras e inevitáveis, afinal nasceram com eles, aprenderam as novas tecnologias desde os primeiros anos de vida. Essa liberdade é o fruto de decisões tomadas há 25 anos atrás, esses 25 anos que hoje comemoramos.

Não venho aqui afirmar que a Constituição de 1988 é uma obra perfeita, nem mesmo no campo da liberdade de expressão. O número de vezes em que foi objeto de emenda fala por si mesmo. A reforma da Constituição é um tema que vem e vai ao sabor da conjuntura de governos. Vez por outra ouvimos a sugestão de novas constituintes.

Todos nós sabemos dos riscos dessas iniciativas. A experiência com a liberdade de expressão defendida na Carta de 1988 mostra como é necessário deixar o tempo fazer o seu trabalho.

Nós passamos; as leis ficam. As tecnologias mudam e estão mudando cada vez mais radicalmente. Antes, poucos falavam e muitos ouviam; hoje, o cenário já se inverte. Por isso, o que não pode mudar é o compromisso com a liberdade.

Nesse aspecto, o espírito de 1988 revelou-se fecundo e a árvore, como já se disse, é conhecida por seus frutos.

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