O lado bom das redes sociais

O lado bom das redes sociais 1024 683 Instituto Palavra Aberta
*Mariana Mandelli

A pressão sobre as plataformas digitais nunca foi tão grande, e tem vindo de todas as direções: governos, justiça, sociedade civil e usuários. Bem antes do temor provocado pelo documentário da Netflix “O dilema das redes”, os usos maléficos das mídias sociais vêm sendo pauta da imprensa, da medicina e da academia de modo geral.

A conexão entre amigos e conhecidos, os conteúdos culturais, a democratização do conhecimento e o acesso a diferentes fontes de informações, alguns dos benefícios inegáveis trazidos pela era da hiperconectividade, estão sendo deixados de lado com a enxurrada de críticas –totalmente justas– que as empresas do Vale do Silício estão recebendo.

Mas, em meio a esse debate urgente e à cobrança por uma postura mais transparente por parte dessas companhias, não podemos perder de vista a potência que as redes têm de criar soluções de impacto social em territórios vulneráveis, ou mesmo de melhorar as condições de vida das pessoas, trazendo bem-estar a comunidades e indivíduos. Em poucas palavras: a capacidade dessas plataformas de serem usadas positivamente para aumentar a participação cívica.

Não se trata de “ativismo de sofá” ou de uma concepção de cidadania que inclua não propagar desinformação em tempos de pandemia ou durante períodos eleitorais, como estamos vivendo agora. Utilizar a tecnologia para promover empatia, reconhecendo, respeitando e incluindo a diversidade de vozes é, provavelmente, uma das possibilidades mais bonitas que a internet nos trouxe, e não pode ser esquecida, principalmente em momentos como esse.

Parece um discurso utópico e frágil, mas existem exemplos concretos que nos mostram o potencial disso tudo. Se estamos mais conectados do que nunca, por que não desviarmos o olhar para problemas que criem senso de comunidade e engajamento cidadão?

O próprio movimento Black Lives Matter talvez seja o melhor exemplo, já que teve origem nas redes e se espalhou por meio delas pelos Estados Unidos, ganhando adeptos, admiradores e ativistas por uma sociedade antirracista.

O 19 Million Project, uma espécie de coalizão internacional de jornalistas, ativistas designers e cientistas de dados, também é uma iniciativa digital de conscientização, mas sobre outra mazela de dimensão global: a crise humanitária. Usando no nome o número do total de pessoas que deixaram as suas casas e tornaram-se refugiadas, especialmente na Europa, o projeto une profissionais diversos ramos para pensarem novas narrativas sobre essa tragédia humana.

Em menor escala, são inúmeros os projetos que se utilizam das mídias sociais para conectarem problemas a soluções de impacto social, sejam eles locais ou globais. Foi o caso da estudante catarinense Isadora Faber, que em 2012 criou uma página no Facebook chamada Diário de Classe para exigir melhores condições para a sua escola pública, gerando discussão sobre a infraestrutura do sistema de ensino no Brasil.

Também é possível citar a história da jovem norte-americana Natalie Hampton que, em 2016, após ser alvo de bullying na escola por almoçar sozinha, criou o aplicativo Sit With Us para alunos e alunas encontrarem companhia para as refeições.

Outras propostas digitais e colaborativas com fins solidários: Share the Meal, que combate a fome de crianças; Charity Miles, que transforma os quilômetros corridos por usuários em dinheiro para caridade; e o My life as a Refugee, que também tem como tema o drama dos refugiados.

Por aqui, entre as ações que focam no jornalismo e na cobertura local como maneira de engajar as populações, é possível citar o Énóis Laboratório de Jornalismo, a Agência Mural (que mantém um blog nesta Folha) e o Voz das Comunidades. Na própria rede municipal de São Paulo existe o projeto Imprensa Jovem, que desde 2005 reúne alunos e alunas para a criação de agências escolares de notícias.

Iniciativas como essas são especialmente importantes por questões de falta de representatividade na mídia tradicional e também por conta dos “desertos de notícias”, cidades que não têm imprensa local forte e atuante, o que faz com que seus cidadãos dependam de veículos de abrangência nacional. Segundo dados de 2020 do Atlas da Notícia, essa é a realidade de 62,6% dos municípios do País que, juntos, representam 18% da população brasileira –cerca de 37 milhões de pessoas.

Pensando na construção da cidadania como um processo que deve ter início na infância, é primordial que crianças e jovens tenham contato com projetos como todos esses desde a escola. A ideia de participação cívica conectada ao ambiente digital precisa ser trabalhada em sala de aula, usando as redes como catalisadoras de mudanças sociais. Em outras palavras, é preciso que os projetos pedagógicos consigam responder à pergunta: Como podemos impactar a nossa comunidade e o mundo através do uso consciente, criativo e positivo das mídias?

Muito se fala sobre o aprendizado do século 21 ser baseado em problemas de investigação, levando os estudantes à formularem questões que partam das atividades e do conteúdo visto nas aulas. Pautas sociais podem e devem ser discutidas por meio de uma educação midiática que sirva de ponte entre essa reflexão sobre os desafios da sociedade e o mundo para além das paredes da escola, gerando impacto por meio do lado bom das redes sociais.

 

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.

Imagem: Sean Lee/Unsplash

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