Em meio a campanhas de desinformação, a escola precisa defender a ciência

Em meio a campanhas de desinformação, a escola precisa defender a ciência 1024 526 Instituto Palavra Aberta

Em 2019, o jovem norte-americano Jerome Kunkel, 18, ganhou as manchetes do noticiário mundo afora quando decidiu processar a escola onde estudava. O motivo: ele havia sido suspenso por se recusar a tomar vacina contra catapora. Em meio a um surto do vírus na região, o adolescente de Walton, estado de Kentucky (EUA), afirmou que o procedimento de imunização iria contra as suas convicções religiosas.

Um mês depois de ter entrado com a ação judicial (que foi indeferida), como uma piada de mau gosto do destino, Kunkel contraiu catapora. Mesmo assim, ele afirmou não ter mudado de posicionamento: segundo sua crença, as vacinas derivariam de “fetos abortados”.

O episódio reflete, dentro do ambiente escolar, a adesão crescente aos movimentos antivacinas, considerados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma das principais ameaças à saúde global no ano passado.

De acordo com números da própria entidade, os casos de sarampo, doença outrora erradicada em diversas localidades, aumentaram em 300% no mundo nos primeiros três meses de 2019 em comparação ao mesmo período
de 2018.

É sabido que o descrédito na eficácia dos processos de imunização não é novidade, mas a proporção que o tema tomou com as redes sociais é imensurável, uma vez que essas plataformas propiciaram a organização de
indivíduos e grupos que defendem tais ideias e, consequentemente, facilitaram a disseminação desses boatos em escala exponencial.

Em tempos de pós-verdade, a questão específica da vacinação enquadra-se em um contexto muito mais amplo: o da deslegitimação da ciência. Não se trata de críticas ou questionamentos, e sim da desqualificação de tudo aquilo que se baseia em métodos, leis, teorias e pesquisas científicas, desenvolvidos ao longo dos séculos.

O desprezo pelo saber acumulado e organizado pela humanidade, conhecimento muitas vezes incompreensível para quem não é cientista, soma-se a crenças próprias, opiniões pessoais e argumentos simplórios, sem comprovação alguma, mas que parecem fazer sentido. As suposições em torno do aquecimento global, da teoria da evolução humana e da esfericidade do planeta são outros exemplos de temas sub judice do achismo das redes sociais.

Esse quadro ganha contornos mais drásticos com o cenário de desinformação em que estamos inseridos. Informações falsas e mentiras sobre doenças e medicações circulam em uma velocidade muito maior do que os próprios vírus. Agora mesmo, enquanto o mundo teme uma pandemia por conta do coronavírus, uma avalanche de falácias percorre timelines e chegam via WhatsApp e outros tipos de mensageiros.

Nos Estados Unidos, por exemplo, 34% dos jovens de 12 a 24 anos não têm certeza de que vivem em um planeta geoidal. A maior influência para tal convicção vem de vídeos sobre teorias da conspiração publicados no YouTube, segundo uma pesquisa da Universidade Texas Tech.

Já no Brasil, apesar do interesse da população pela ciência ser mais alto do que a média mundial (70% e 46%, respectivamente), segundo o Índice Anual do Estado da Ciência, os desafios são imensos. Isso porque a desconfiança está em ascensão por aqui: 39% se dizem céticos sobre a ciência e 50% só acreditam nela quando está de acordo com suas próprias crenças.

Tal conjuntura atinge de maneira acentuada inclusive os jovens. Os últimos dados do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) mostram que os brasileiros com idade entre 15 e 24 anos estão com dúvidas sobre controvérsias sociais e políticas que atravessam o conhecimento científico.

Segundo o levantamento, 25% deles acreditam que vacinar crianças pode ser perigoso e 54% concordam que os cientistas possam estar “exagerando” sobre os efeitos das mudanças climáticas.

Nesse âmbito, o papel das escolas para mitigar essa crescente desvalorização científica é primordial uma vez que a Base nacional Comum Curricular (BNCC) dedica grande parte do seu conteúdo aos conhecimentos das Ciências da Natureza que as crianças e jovens devem conquistar até o fim da educação básica.

Além disso, o documento também pressupõe que os estudantes adquiram habilidades referentes à análise crítica e reflexiva das informações que consomem diariamente. Combinando essas duas dimensões, é possível, portanto, enxergar a educação midiática como um caminho para criar ações pedagógicas que incentivem a pesquisa, checagem de dados e leitura de mídias sobre a ciência em sala de aula.

Orientar os alunos para que busquem fontes confiáveis de informação é uma ideia. Os sites de organizações como a OMS e as postagens do Ministério da Saúde são boas indicações. No caso do governo federal, existe uma campanha chamada “Saúde sem Fake News”, em que a pasta apura boatos enviados pelos cidadãos via WhatsApp. Além disso, publicações especializadas costumam ter seções próprias dedicadas à educação científica, como é o caso da revista Scientifc American.

Apresentar youtubers pró-ciência aos estudantes também é uma oportunidade interessante de trazer para o contexto jovem conteúdos com uma linguagem mais acessível. Existem biólogos e outros pesquisadores com canais interativos e bastante didáticos para o público escolar.

Outra atividade interessante é reunir notícias científicas e dividir a classe em grupos para debater as reportagens. Em seguida, os estudantes podem produzir um texto comentando a importância do material lido, buscando o
histórico daquelas descobertas.

Uma solução mais elaborada são oficinas como o projeto Hoaxbusters, desenvolvido pelo professor de biologia Estêvão Zilioli, que levanta dúvidas sobre ciência originadas nas redes sociais e usa a checagem de fatos para concluir quais correntes são verdadeiras ou não. Os discentes são encorajados a pesquisar artigos acadêmicos e revistas de divulgação científica.

Se não há confiança sobre as conclusões da ciência, então esses consensos universais testados e comprovados podem ser facilmente trocados por crenças populares e posicionamentos pessoais –e, mesmo a curto prazo, as consequências desse processo podem ser irreversíveis.

A escola precisa combater essa tendência, mostrando que o conhecimento científico traz, além de explicações sobre o mundo, inúmeros benefícios para vida individual e coletiva, que não podem ser destruídos por meras opiniões
postadas na internet.

Isabella Galante – Jornalista do Instituto Palavra Aberta

Mariana Mandelli – Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

Imagem de David Mark por Pixabay

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