Não entender o entender da lei maior
Não entender o entender da lei maior https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Constituicao-BR-_-Foto-Reproducao.jpg 630 345 Instituto Palavra Aberta https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Constituicao-BR-_-Foto-Reproducao.jpg* Lourival J. Santos
A Constituição, como norma de comando e de disciplina da vida social e da organização do Estado, deve ser assimilada com discernimento, atenção e coerência, já que é um instrumento que, de um lado, assegura a liberdade e o direito, e de outro, o progresso e a ordem exigida pela sociedade.
O mais célebre juiz da Suprema Corte Norte Americana de todos os tempos, John Marshall, sobre a superioridade da Constituição no sistema legal do país, ponderou: “Se os tribunais têm a missão de atender à Constituição e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam”.
No Brasil, o princípio da liberdade de expressão foi destacado na Constituição de 1988 como conceito de proa, ao lado e no mesmo diapasão do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, no caput do art. 5º, que abre o título dedicado aos direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos. Também ficou realçado o sistema pluralista, que é assentado na igualdade e na justiça, além de ser enaltecido o respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e valorizada, como dito, a sua independência opinativa.
No título reservado aos direitos e garantias fundamentais, a posição da constituinte emergiu, de forma significativa, para a autonomia da manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, que deverão ser exercidas sem censura ou licença de qualquer natureza.
Portanto, não poderá haver dúvida de que o legislador constituinte foi determinante ao varrer a censura política, ideológica ou artística (art. 220, §§ 1º e 2º), de modo definitivo, do sistema legal pátrio. Para a liberdade da transmissão do pensamento foi assegurado ao cidadão o livre acesso à informação, segundo o inciso XIV da Carta Constitucional.
Por serem vigas mestras do poder constituinte e sustentáculos da filosofia política do estado democrático de direito, que é o modelo adotado pelo Brasil, a tais direitos não é dado estabelecer restrições ou criar subordinações, ficando, assim, livres do alcance das próprias emendas constitucionais, como dispõe a própria Carta. Como única possibilidade de restrição à completa independência e autonomia da imprensa, foi prevista, em caráter de absoluta exceção, a declaração de estado de Sítio no País, segundo a dicção do artigo 137, III.
Apesar das importantes conquistas no âmbito da liberdade, a sociedade, volta e meia, demonstra ainda não saber conviver e lidar naturalmente com os valores desses triunfos, que são naturais atributos da verdadeira democracia e da legitimidade do estado de direito. Tanto isto é verdade que não são poucos os casos em que pessoas, muitas vezes públicas, tentam impedir divulgações a seu respeito, ainda que sejam justificáveis e de interesse da coletividade, sob o argumento de que o ato representaria invasão de sua privacidade ou desrespeito à sua intimidade, vida privada, honra ou imagem.
Não são raros também os projetos de lei apresentados por parlamentares com o objetivo de regular a comunicação, com sugestões restritivas à liberdade da palavra, como se o que é pleno pudesse ser passível de limitações ou de restrições.
Essas dúvidas mais preocupam quando previsões discutíveis escapam do campo dos projetos, são sancionadas, e passam a compor textos legais, a exemplo da lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece regras para as eleições no País e que foi editada quase uma década após a promulgação da Constituição.
O artigo 53 dessa lei estabelece que: “não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura prévia nos programas eleitorais gratuitos”. Soa estranha tal declaração e até chega a resvalar o non sense, por ter sido a censura banida definitivamente do sistema legal pátrio pela Constituição atual e de não haver qualquer lógica em ser a mesma mencionada, como existente, pela legislação ordinária.
* Lourival J. Santos – diretor da Lourival J. Santos Advogados