Dica da Semana

Dica da Semana 630 345 Instituto Palavra Aberta

Das utopias dos anos 1960, a construção do Estado de Israel e a paz mundial – inspirada em A Paz Universal, de Immanuel Kant, que, por sua vez, no pós segunda grande guerra, inspirou a Organização das Nações Unidas –, foram sonhos por muito acalentados. Nenhuma das duas utopias, porém, se concretizou. Pelo contrário, o que se assistiu foi um instável equilíbrio da paz armada e o crescimento do terrorismo, que fica evidente com os sucessivos atentados nos Estados Unidos e em países europeus. Nesse ambiente, onde se alterna a crueldade dos atentados e o recrudescimento das atitudes repressivas, se espalhando como um veneno na corrente sanguínea das relações universais, o escritor Amós Oz, no livro Como curar um fanático (Companhia das Letras), ergue a voz para apresentar uma proposta conciliadora. Isto é, na prática, uma “solução de compromissos”, o que não implica, como possa se imaginar numa interpretação apressada, em capitulação diante do terror ou dos males do mundo moderno, mas, sim, “sinônimo de vida”, porque “o oposto desse compromisso não é integridade, ou idealismo, mas extremismo e morte”. São duas as vertentes da fonte compromisso. A primeira é a curiosidade. Não a curiosidade infantil, mas a curiosidade profunda, aquela que diz respeito à “dor” do outro. Como se sente um palestino diante da “dor” ou um judeu diante do anti semitismo ou um americano que perdeu um familiar nos atentados de 11 de setembro? Amós Oz responde, se insurgindo contra o fanatismo: “O sinal indicador do fanatismo não é o volume da sua voz, mas a atitude com as vozes dos outros”. É aqui que entra a segunda vertente do compromisso: a compreensão do mal e suas gradações que são como camadas geológicas. Os males do mundo, explica o autor, não podem ser colocados no mesmo cesto: apartheid, poluição, genocídio, machismo, chauvinismo, espionagem eletrônica, ocupação da Cisjordânia por Israel, emudecimento da oposição na China e os insultos do politicamente incorreto. Não são iguais e não reconhecer isso é não ter meios para combatê-lo, salvo com igual extremismo. “A opressão de mulheres, de minorias e a colonização de povos são muito ruins. Genocídio é pior. A destruição do meio ambiente é muito ruim. Limpeza étnica é pior. A queima de heréticos na fogueira e a venda de jovens mulheres por um maço de cigarros são piores…”. Aquele que não souber distinguir as gradações do mal poderá se tornar um servidor do mal. E, no dizer de Amós Oz, não ser um seguidor do mal implica em resumir os dez mandamentos em três palavras: “Não infligirás dor”. O escritor israelense Amós Oz, de 77 anos, é um dos fundadores do movimento pacifista Paz Agora. Ele conhece o preconceito e o fanatismo – característica humana mais antiga do que qualquer religião ou ideologia – desde a infância, em Jerusalém, onde se dizia que mulheres, árabes e britânicos tinham chifres e rabo tal como o demônio. Não era assim. Era uma linguagem ilusória. O compromisso de não infligir a dor rompe o círculo vicioso de dor e vingança, dor e guerra, dor e repressão. E também ajuda a superar os preconceitos, a pensar, e a se insurgir contra o fanatismo. Há muita discórdia e posição de extremos. Pouca curiosidade sobre os outros e escassa percepção de que o mal existe dentro de nós. É preciso semear o entendimento, a arte de pensar e fugir ao lugar comum. E nesse sentido a literatura muito pode ajudar construindo pontes com palavras. O livro Como curar um fanático é curto, mas como definiu o The Times de Londres, “é uma vitória pacífica contra o fanatismo”.

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