O desafio de ensinar o pensamento crítico

O desafio de ensinar o pensamento crítico 1024 678 Instituto Palavra Aberta
Patricia Blanco*

Imagem: Element5digital/Unsplash

Em sua última participação em evento voltado para o público brasileiro, organizado por um banco de investimentos, o historiador Yuval Harari ressaltou, como um dos pontos mais importantes da atualidade e para o mundo pós-pandemia, a necessidade de focarmos no desenvolvimento de habilidades de análise crítica das informações em vez de buscarmos mais conteúdo. 

Segundo Harari, vivemos numa época em que a escola não precisa oferecer mais informações para os alunos: eles já “estão inundados” delas, podem acessá-las facilmente de qualquer lugar, mas ainda não conseguem distinguir o que é confiável do que não é; o que tem qualidade do que não tem. Na sua visão, o que as pessoas em geral realmente precisam, é desenvolver uma mente crítica capaz de diferenciar conteúdos e, com isso, saber em quem e no que confiar. Para ele, a escola tem um papel fundamental nesse processo. 

Não é novidade que a abundância informacional tem gerado desafios para toda a sociedade. Se por um lado a facilidade de acesso e compartilhamento de informação trouxe grandes benefícios, por outro tem causado diversos problemas. E, nas disputas ideológicas entre negacionistas e teóricos de conspiração, está cada vez mais difícil saber em quem e no que acreditar. 

Identificar o contexto, a autoria e a autoridade de quem produz determinadas mensagens é cada vez mais complexo, e a pandemia tornou essa dificuldade ainda mais evidente e perigosa. De uma hora para outra, todos viraram cientistas, com narrativas cheias de opinião e carregadas de achismo. Pessoas que nunca se interessaram em saber a origem das vacinas começaram a opinar como fossem experts em imunização. Passaram a questionar a técnica utilizada e a velocidade com que o imunizante foi produzido, espalhando por aí a possibilidade da implantação de um chip de monitoramento na aplicação de uma dose, entre tantas outras falácias que circulam e geram ainda mais instabilidade e insegurança em um momento trágico.

É interessante perceber como passamos a acreditar em qualquer um sem questionarmos: qual o conhecimento que o tio do cunhado da minha irmã tem para opinar sobre dados científicos sem ser estudioso do tema? E por que passamos a crer na informação que chega pelos grupos de WhatsApp em detrimento daquelas divulgadas por  instituições sérias e conceituadas? 

Somado a isso, há ainda o que Harari chamou de vantagem competitiva das “fake news” sobre verdades científicas: “A verdade é sempre complicada e dolorida. As pessoas não querem saber a verdade”. E mais: preferem acreditar na cura milagrosa ou mesmo negar a realidade dos fatos. 

Neste contexto, desenvolver o pensamento crítico é, não só necessário, como urgente. É preciso ensinar desde cedo técnicas de leitura crítica e análise de mensagens e discursos para que as crianças e jovens cresçam com autonomia para interpretarem e participarem do mundo conectado, cujas tecnologias são desenvolvidas em uma velocidade muito maior do que a nossa capacidade de compreendê-las.

É imprescindível que a escola incentive a criticidade como uma habilidade inerente aos tempos em que vivemos. Saber julgar uma informação de maneira consciente e responsável é buscar outros pontos de vista sobre ela, praticando o que é chamado de “ceticismo saudável”. A grande questão não é desconfiar de tudo e todos, mas sim perceber que é preciso interrogar as mensagens que chegam aos nossos celulares e computadores o tempo inteiro. 

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz, entre as dez competências gerais  a serem desenvolvidas pelos alunos ao fim da educação básica, o pensamento científico, crítico e criativo. Para que se torne realidade, os professores precisam estar preparados para desenvolver nos alunos essa habilidade, de modo a dialogar com a realidade digital em que todos estamos inseridos. Se as crianças e jovens realmente aprenderem a “investigar causas, testar hipóteses, resolver problemas e criar soluções”, como demanda a BNCC, certamente teremos uma geração mais crítica e cidadã, capaz de compreender o direito à informação em sua plenitude e de defender a democracia.

 

*Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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