Quando fãs viram haters

Quando fãs viram haters 1024 683 Instituto Palavra Aberta
Mariana Mandelli*

📸: Kate Torline/Unsplash

Mesmo quem não tem o costume de acompanhar influenciadores digitais provavelmente já ouviu falar sobre o humorista Whindersson Nunes, 26, e a cantora Luísa Sonza, 23. Fenômenos das redes sociais, ambos movimentam milhões de reais e de pessoas em seus respectivos nichos. Entre 2016 e 2020, formaram um casal venerado e seguido nessas plataformas, com um séquito de fãs que acompanhava cada passo da dupla. Mas, quando o casamento chegou ao fim em meados do ano passado, o que era para ser visto como algo comum transformou-se numa arena pública de farpas, agressões e até ameaças de morte provocadas justamente pelos admiradores de ambos.

 

Não vale a pena entrar em detalhes, mas o ponto principal é que os seguidores de Whindersson passaram a atacar Luísa e vice-versa. A violência online migrou para o offline e chegou ao ápice após os dois assumirem novos relacionamentos. No caso de Luíza, os ataques misóginos chegaram a culpá-la pela morte do filho do ex-marido, que nasceu prematuro. Ela se ausentou das mídias sociais por algumas semanas e vem dando uma série de entrevistas sobre o potencial destrutivo das redes para a saúde mental.

 

“Mano, vocês ainda não entenderam que fazer comentários destrutivos sobre o outro mata? Eu não sei mais como falar para vocês. Um menino se matou por conta disso faz alguns dias e vocês ainda não param de fazer isso? Vocês querem o quê? Matar mais um?”, postou ela em um de seus perfis, referindo-se ao jovem Lucas Santos,  que se suicidou após receber uma série de comentários de ódio em um vídeo brincando com um amigo no TikTok. “E aos meus fãs, não façam com o outro o que vocês não gostam que façam comigo”, completou.

 

Diferentemente de celebridades tradicionais, como artistas que fizeram carreira na televisão, no rádio e no cinema, pessoas como Whindersson e Luísa ganharam o mundo por meio da internet, construindo uma relação sólida e próxima com suas respectivas audiências. É possível que isso faça com que os fãs se sintam parte da vida deles, como se tivessem papel ativo nas conquistas e relações de ambos? Talvez. Mas isso não justifica a proporção da violência e da toxicidade imputadas por aqueles que, em tese, os admiram.

 

Esse caso é emblemático porque revela como a dinâmica das redes é fluída e muda repentinamente, transformando amor em ódio e fãs em haters. Guardadas as devidas proporções, ocorre algo semelhante com jogadores de futebol: se em uma partida marcam gol e recebem emojis de coração dos torcedores, na primeira derrota surgem comentários odiosos e de baixo calão. Não à toa, muitos deles só permitem comentários de pessoas próximas em suas páginas.

 

Tal lógica doentia é alimentada por perfis de fofoca no Instagram, em que detalhes banais se tornam polêmicas e assuntos pessoais se transformam em pauta. O que se convencionou chamar de “jornalismo de celebridades” ganhou uma nova escala com as mídias sociais, muito mais rápido e poderoso na construção e destruição de reputações. Se antes o público folheava páginas de revistas para ver fotos de famosos em momentos de intimidade, hoje é possível acompanhar passo a passo do cotidiano dos ídolos tudo depende, é claro, do quanto eles mostram.

 

A superexposição a que todos estamos sujeitos, e não só os artistas, é somada às falsas sensações de liberdade e proximidade da audiência que, escondida atrás de telas, se sente à vontade para criticar, xingar, agredir, demonizar e ameaçar. É sabido que a digitalização da vida social borrou os limites entre o público e o privado, e isso não é diferente na relação ídolo-fã.

 

O problema é que, independentemente de como os artistas e influenciadores alimentam essa engrenagem de engajamento e vida pessoal, expondo ou não sua intimidade (e faturando com isso), nada justifica as hordas de perseguidores e ataques sistemáticos.

 

Por mais difícil que seja coibir a criação de perfis anônimos (ou não) destinados a esse tipo de conduta deplorável, é necessário conscientizar os usuários para não engajarem posts tóxicos e não postarem comentários agressivos, agindo em efeito manada. Especialmente porque esse comportamento tem sido comum entre adolescentes, faixa etária que precisa ser orientada quanto a práticas de cyberbullying e disseminação de ofensas e discursos de ódio. 

 

Apesar de uma das máximas da internet ser “haters gonna hate” (algo como “odiadores odiarão”), há muito que pode ser evitado, especialmente no que tange à responsabilidade individual de produzir e compartilhar mensagens desse tipo. Comentários agressivos não são postados somente por robôs, assim como também não são recebidos somente por eles. Liberdade de expressão é um direito humano e seu mau uso também tem sido desempenhado por nós. 

 

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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