Integridade da informação passa por direitos humanos, transparência, educação e responsabilização, diz diretor de Comunicação e Informação da UNESCO

Integridade da informação passa por direitos humanos, transparência, educação e responsabilização, diz diretor de Comunicação e Informação da UNESCO 1024 682 Instituto Palavra Aberta

*Crédito da imagem: Shizuo Alves/MCom

Lidar com a desinformação requer uma abordagem holística: educação em habilidades digitais, responsabilização das plataformas e sistemas de IA generativa confiáveis. A afirmação é do tunisiano Tawfik Jelassi, diretor-geral adjunto de Comunicação e Informação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em entrevista exclusiva ao Instituto Palavra Aberta. Segundo ele, a agência da ONU coloca a integridade da informação no centro de sua missão de promover o livre fluxo de ideias. “Permitir o livre fluxo de informações precisas, imparciais e confiáveis é fundamental para nós e para tudo o que fazemos”, diz. Ele destaca a promoção da liberdade de imprensa, pluralismo, independência, viabilidade da mídia e transparência de plataformas digitais, juntamente com a alfabetização midiática e informacional, como direitos para salvaguardar a integridade da informação. Ao comentar a recente aprovação, pelo Grupo de Trabalho (GT) de Economia Digital do G20, de uma declaração ministerial que aborda quatro eixos centrais para o futuro digital global, Jelassi afirma que a “estratégia baseada em direitos humanos do G20 é o caminho certo a seguir, promovendo transparência e responsabilização no espaço digital, ao mesmo tempo em que restaura a confiança no jornalismo, especialmente em comunidades vulneráveis”.

Instituto Palavra Aberta – Em setembro, o Grupo de Trabalho (GT) de Economia Digital do G20 aprovou uma declaração ministerial que aborda quatro eixos centrais para o futuro digital global. Gostaria de abordar a importância e os impactos de cada um deles, começando pela integridade da informação. Como o cuidado com essa integridade afeta as agendas da UNESCO e o fluxo de informações?
Tawfik Jelassi – A UNESCO coloca a integridade da informação no centro de sua missão de promover o livre fluxo de ideias. Permitir o livre fluxo de informações precisas, imparciais e confiáveis é fundamental para nós e para tudo o que fazemos. Além disso, em 2021, os Estados-membros adotaram por unanimidade a Declaração de Windhoek +30 sobre Informação como Bem Público, que foi construída sobre quatro pilares principais: liberdade de imprensa, pluralismo, independência, viabilidade da mídia e transparência de plataformas digitais, juntamente com a alfabetização midiática e informacional. Esses pilares enfatizam a necessidade de uma abordagem baseada em direitos para salvaguardar a integridade da informação. Em 2022, a UNESCO lançou as Diretrizes para a Governança de Plataformas Digitais, uma estrutura que promove transparência, responsabilidade e alinhamento com os padrões internacionais de direitos humanos, ao mesmo tempo em que incentiva os usuários a se envolverem criticamente com os serviços digitais. A estrutura também oferece suporte a uma abordagem multissetorial para a governança das plataformas. Como parceira do G20, a UNESCO forneceu insights importantes sobre como lidar com os desafios digitais e combater a desinformação. A recente Declaração Ministerial do G20 reafirma o compromisso global de manter a integridade da informação, com a UNESCO secretariando a Iniciativa Global sobre Integridade da Informação para Mudanças Climáticas, liderada pelo Brasil.

Instituto Palavra Aberta – Outro ponto incluído na declaração ministerial é a conectividade significativa. Como os países podem acelerar a democratização da conexão digital, especialmente garantindo uma navegação de qualidade? No Brasil, por exemplo, apenas 22% dos brasileiros têm internet com conectividade significativa, de acordo com o estudo “Conectividade Significativa: propostas de mensuração e retrato da população no Brasil”, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Como isso afeta a busca por igualdade e equidade?
Tawfik Jelassi – Primeiro, precisamos enfatizar a importância do acesso à internet a preços acessíveis, que é essencial para uma conectividade significativa. Políticas que promovam a competição entre provedores podem reduzir os preços e melhorar a qualidade do serviço, tornando a Internet mais acessível para famílias de baixa renda. O apoio financeiro para grupos desfavorecidos também é crucial para reduzir a exclusão digital. Abordar as disparidades de gênero deve ser uma prioridade para promover a equidade. Segundo, precisamos garantir que o conteúdo esteja disponível para todos, não apenas para aqueles que falam os principais idiomas. As populações locais são frequentemente excluídas do acesso a informações ou da participação em atividades socioeconômicas em suas línguas indígenas. Promover conteúdo em línguas locais e indígenas é vital. Lidar com o fluxo de informações falsas e desinformação é igualmente importante, com programas de alfabetização midiática e informacional capacitando comunidades carentes a navegar na Internet com segurança e se beneficiar de recursos educacionais. A UNESCO apoia os países na avaliação de seu ambiente de Internet por meio dos Indicadores de Universalidade da Internet e dos princípios ROAM-X, defendendo uma Internet baseada em direitos, aberta, acessível e baseada em consultas multitarefas, garantindo também igualdade de gênero, segurança online e sustentabilidade. Desde 2018, a UNESCO ajudou mais de 40 países com avaliações de desenvolvimento da Internet para orientar estratégias digitais nacionais.

Instituto Palavra Aberta – Quais são as medidas básicas que os países podem tomar para desenvolver práticas reais de um governo digital, outro eixo da declaração ministerial? O senhor tem algum exemplo bem-sucedido de governo digital apoiado pela UNESCO? Como a transformação digital pode ser implementada?
Tawfik Jelassi – Primeiro, os governos podem começar identificando quais tecnologias digitais podem transformar os serviços públicos para atender às necessidades dos cidadãos. Isso pode variar de soluções avançadas, como usar IA para dar suporte ao socorro em desastres, a iniciativas mais simples, como criar uma página da web de serviço único para empresas. Uma vez identificadas, os governos devem garantir a infraestrutura, as políticas e os talentos necessários para implementar essas tecnologias. A UNESCO apoia essas iniciativas por meio de seu Programa de IA e Habilidades Digitais para Servidores Públicos. Por exemplo, este ano, ajudamos o Conselho de Desenvolvimento de Ruanda a qualificar 80 servidores públicos em IA, privacidade e segurança cibernética, aproximando-os de oferecer um serviço único para empresas. Segundo, a transformação digital não tem uma abordagem única e pode ser conduzida pela alta liderança ou por servidores públicos dedicados. Sobre este tópico, a UNESCO sediará em fevereiro de 2025, em Paris, um Fórum Global sobre IA e Transformação Digital. Encorajo os governos a participarem deste grande evento e compartilharem as melhores práticas — uma das quais pode ser a mais adequada para o seu setor público.

Instituto Palavra Aberta – O último item da declaração ministerial é a inteligência artificial, e aqui o foco do debate está no uso ético dessa ferramenta. Quais são as diretrizes e iniciativas da UNESCO a esse respeito? Como podemos identificar e reverter os impactos negativos da IA? Como podemos maximizar seus benefícios para que todos tenham acesso a esses avanços?
Tawfik Jelassi – O desenvolvimento da IA generativa desencadeou um debate global sobre o gerenciamento de riscos associados. O banco de dados AIAAIC relata um aumento de 26 vezes nos incidentes de uso indevido ético de IA desde 2012 (Stanford HAI AI Index 2023), e uma pesquisa UNESCO-IPSOS mostra que 85% das pessoas em 16 países estão preocupadas com a desinformação. O Fórum Econômico Mundial prevê que 400 milhões de trabalhadores podem ser deslocados globalmente. A UNESCO desempenha um papel fundamental na governança da IA por meio de iniciativas como a Recomendação de 2021 sobre a Ética da IA. Usando ferramentas como a Readiness Assessment Methodology (RAM) e a Ethical Impact Assessment (EIA), ajudamos nações a avaliar e melhorar sua prontidão para IA, com quase 60 países trabalhando conosco. Além disso, co-presidimos o Grupo de Trabalho Inter-Agências da ONU sobre IA para unir a expertise de 50 entidades da ONU. Embora esses esforços sejam vitais, a governança da IA também deve se concentrar em práticas éticas de dados. A UNESCO está avançando em estruturas para garantir que os sistemas de IA sejam construídos com base no uso transparente e equitativo de dados. Dois elementos essenciais sustentam esses esforços: 1) Capacitação e alfabetização midiática para reduzir a exclusão digital e 2) Colaboração multissetorial, incluindo governos, formuladores de políticas, setor privado, mídia e academia, para garantir que as tecnologias digitais capacitem a todos, sem deixar ninguém para trás.

Instituto Palavra Aberta – Esses quatro eixos são suficientes para combater a disseminação de desinformação na Internet? Eles podem, por exemplo, mudar um ambiente digital que, devido aos seus efeitos colaterais, prejudicou a produção jornalística, especialmente em localidades e comunidades?
Tawfik Jelassi – Os quatro pilares que você descreveu – inclusão digital, governo digital, integridade da informação online e IA para o desenvolvimento sustentável – são cruciais para combater a desinformação na era digital de hoje. Embora a desinformação sempre tenha existido, a escala e a velocidade com que ela se espalha agora exigem uma resposta mais robusta. Na UNESCO, nos referimos a isso como o desafio dos 4 Vs – velocidade, volume, viralidade e verossimilhança – onde informações falsas se espalham rapidamente, em grandes quantidades, em todos os lugares, e parecem altamente confiáveis. A desinformação prejudica a confiança no jornalismo e nas instituições democráticas, especialmente no nível local. A inclusão digital e a conectividade significativa capacitam os cidadãos a se envolverem criticamente com as informações e reduzem a suscetibilidade à desinformação. O acesso equitativo às ferramentas digitais é essencial para fechar divisões e promover a participação construtiva. Também precisamos ir além da autorregulamentação das plataformas. Uma estrutura clara é necessária para garantir que as empresas de tecnologia sejam responsáveis, transparentes e cumpram os padrões de direitos humanos. Governos e fóruns, como o G20, devem exigir padrões mais elevados das plataformas, garantindo que elas não contribuam para a disseminação de conteúdo prejudicial. Lidar com a desinformação requer uma abordagem holística: educação em habilidades digitais, responsabilização das plataformas e sistemas de IA confiáveis. A estratégia baseada em direitos humanos do G20 é o caminho certo a seguir, promovendo transparência e responsabilização no espaço digital, ao mesmo tempo em que restaura a confiança no jornalismo, especialmente em comunidades vulneráveis. A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e jornalista Maria Ressa afirmou apropriadamente: “Sem fatos, você não pode ter a verdade. Sem a verdade, você não pode ter confiança. Sem confiança, não temos realidade compartilhada, nem democracia, e se torna impossível lidar com os problemas existenciais do nosso mundo.” Essa citação destaca a importância crítica de garantir o acesso a informações confiáveis enquanto lutamos por uma sociedade justa e informada.

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