
Palavra Aberta tem papel fundamental na liberdade de expressão comercial e na educação midiática, diz Paulo Tonet Camargo
Palavra Aberta tem papel fundamental na liberdade de expressão comercial e na educação midiática, diz Paulo Tonet Camargo https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/whatsapp-image-2025-04-25-at-163352-1024x658.jpeg 1024 658 Instituto Palavra Aberta https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/whatsapp-image-2025-04-25-at-163352-1024x658.jpegCrédito da imagem: Divulgação
Na terceira entrevista especial com conselheiros fundadores em homenagem aos 15 anos do Instituto Palavra Aberta, comemorados em 2025, o site da entidade conversou com Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo e presidente da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR). Na entrevista, ele destaca a importância da criação do Palavra Aberta, em agosto de 2010, sobretudo como um importante contraponto a ataques verificados na época à liberdade de expressão comercial, ao direito de anunciar. “Vários organismos da sociedade civil, parte de organismos do Estado e parte do Congresso Nacional, em um afã de restringir a propaganda, na minha visão, como uma resposta fácil a um problema”, lembrou.
Segundo ele, fazia falta uma organização que não fosse as entidades das empresas de comunicação, nem das agências de propaganda, nem dos anunciantes, mas uma ONG “que demonstrasse para a sociedade o valor da propaganda e os riscos que resultam quando a publicidade é suprimida”. Para ele, desde então, o Palavra Aberta vem desempenhando bem esse papel, além da defesa das liberdades de imprensa e de expressão, bem como a propagação da educação midiática.
“Acredito que o Instituto Palavra Aberta está focado, de forma acertada, no tema da educação midiática. Nós temos que explicar para a sociedade, especialmente para os jovens, crianças e adolescentes, como é que se consome essa publicidade, e como é que se vacina contra as fake news”, afirmou. No entendimento dele, entretanto, o principal problema do Brasil, que passa necessariamente pelo combate à desinformação, é a crise na educação como um todo. “A sociedade brasileira não tem consciência do poder transformador da educação. É por isso que a educação é um problema no país. É verdade que o Brasil é, hoje, uma região mais instruída do que era há 50 anos. Entretanto, a consciência da necessidade da educação parece que decresceu, infelizmente”.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Instituto Palavra Aberta – Quais eram os desafios das liberdades de imprensa e de expressão no Brasil há 15 anos, antes da fundação do Instituto Palavra Aberta? Como surgiu a ideia de fundar a organização e como os envolvidos se organizaram para isso? Como é que foi a sua participação?
Paulo Tonet Camargo – Neste período da fundação do Palavra Aberta, em relação especificamente à questão da liberdade de expressão, nós não tínhamos no Brasil nenhuma ameaça imediata mais grave. Não enxergávamos isso, pelo menos naquele momento, nenhum risco sistêmico à liberdade de expressão e também não tínhamos ataques mais enfáticos por parte do Estado. Tínhamos, é verdade, alguns problemas pontuais de uma decisão judicial aqui e outra ali, mas nada que nos preocupasse muito. Mas nós tínhamos uma preocupação bem clara: havia sim um ataque sistêmico à liberdade de expressão comercial (ao direito de anunciar). Vários organismos da sociedade civil, parte de organismos do Estado e parte do Congresso Nacional, em um afã de restringir a propaganda, na minha visão, como uma resposta fácil a um problema.
Então você tem, por exemplo, acidentes por excesso de bebida alcoólica, e então acha que proibir a propaganda está tudo resolvido. Ora, isso é uma forma simplista do Estado de colocar nos outros uma responsabilidade que é sua, ou seja, de ter políticas públicas para enfrentar desafios como esse – nesse caso, de ter iniciativas de consumo de bebida consciente. Então, nós não tínhamos, de fato, uma organização que tratasse desse assunto porque os dois órgãos que tratavam de propaganda de forma muito específica. O Cenp-Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário tratava da autorregulamentação do mercado publicitário. E o CONAR-Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária lidava com a autorregulamentação da publicidade, do conteúdo da publicidade. Nenhum desses dois órgãos é de defesa da propaganda, mas são órgãos de autorregulamentação. Então, e isso sempre foi uma coisa que eu me batia, o CONAR não tinha que vir a público defender a propaganda, pois ele é um tribunal, um órgão da sociedade integrado por todos os elos do mercado publicitário, mas voltado à boa publicidade.
Instituto Palavra Aberta – Havia, então, uma lacuna de ocupação de espaço?
Paulo Tonet Camargo – As entidades do nosso setor de comunicação, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e Associação Nacional de Jornais (ANJ), já tinham um trabalho em defesa da liberdade de expressão, mas nós realmente não tínhamos uma organização para defender a liberdade de expressão comercial. Nós estávamos nos ressentindo disso. Quando houve uma reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), há 16 anos, em San José, na Costa Rica. Uma reunião muito importante da SIP, que reuniu governantes de vários países, inclusive membros da Suprema Corte brasileira. Foi um grande evento, nos moldes que a SIP sempre fez a respeito da liberdade de expressão. E eu estava nesse encontro, como assim também estava o então vice-presidente Editora Abril, o jornalista Sidnei Basile, um querido amigo que até hoje tenho muita saudade.
Sidnei e eu compramos alguns ótimos charutos artesanais e, à noite, quando já estávamos somente nós dois na varanda do hotel, começamos a trabalhar, a divagar sobre uma porção de coisas… e ali nasceu o Instituto Palavra Aberta, com base na ideia de uma organização que fosse capaz de defender a liberdade de expressão comercial; uma organização que não fosse as entidades das empresas de comunicação, nem das agências de propaganda, nem dos anunciantes, mas uma ONG que demonstrasse para a sociedade o valor da propaganda e os riscos que temos quando suprimimos a publicidade. Então, ali nasceu o embrião, e nós começamos a desenvolver a ideia e envolvemos outros players, basicamente os então presidentes das entidades. O presidente da ANER era o Roberto Muylaert, sempre foi o maior entusiasta do Palavra Aberta, e a Judith Brito, então presidente da ANJ e, talvez muito por essa razão, também uma entusiasmada com a ideia.
Curiosamente, nós não tínhamos o mesmo entusiasmo por parte da ABERT – não pelo presidente da entidade, o Daniel Pimentel Slaviero, que apoiava a ideia. Ocorre que havia uma dúvida se o Palavra Aberta não iria esvaziar o CONAR. Essa era uma preocupação de algumas pessoas da Globo, o que eu achava que era injustificável, porque era justamente o contrário: o que nós queríamos era reforçar a posição do CONAR, para que esse órgão não se expusesse como defensor da propaganda. Então, para mim e para o Sidnei, era muito claro que o papel do Palavra Aberta não só não se confundia, mas reforçava o CONAR, que tem de vir ao Congresso Nacional, por exemplo, e dizer “olha, nós somos um órgão que garantimos que a propaganda que chega nas pessoas seja uma propaganda de qualidade, com ética, regras etc. E não vir ao Congresso Nacional para fazer lobby com objetivo de manter a propaganda. Vencidas as resistências, nós então tratamos de dar andamento ao projeto do Instituto.
Instituto Palavra Aberta – Como foi essa arrancada?
Paulo Tonet Camargo – Numa reunião em que nós estávamos, o instituto não tinha nome – tínhamos a ideia e o formato, mas não o nome. Naquela reunião, na sede da ANER, em São Paulo, quem sugeriu esse nome foi a Maria Célia Furtado, que era a diretora-executiva da entidade. Nós estamos num brainstorming, sentados juntos a uma mesa, com várias sugestões, até a que a Maria Célia disse: Por que não Palavra Aberta? E imediatamente todo mundo concordou com a sugestão, começando ali o instituto. Em relação às resistências que vinham da Globo, Sidnei e eu fizemos uma construção política. Ao começar o instituto, nós entendemos que a primeira presidência da entidade deveria vir da Globo. E assim foi, com o Evandro Guimarães, meu antecessor nesta função na Globo, assumindo a presidência muito bem-sucedida. Mais à frente chegamos à conclusão que o melhor seria conduzir a Patricia Blanco, que esteve com a gente desde o início, em uma presidência profissionalizada, por uma sugestão do Sidnei, em uma solução perfeita que, em seguida, também nos livrou de a cada dois anos ter de encontrar outro nome em meio a pessoas que já estavam com seus cotidianos atribulados. E assim está sendo muito bem conduzido pela Patricia até hoje.
Instituto Palavra Aberta – Nessa época, quais foram os principais os principais desafios nessa área comercial? Quais foram os principais embates que o Palavra Aberta enfrentou?
Paulo Tonet Camargo – Um exemplo foi a fundação por parte de alguns acionistas do banco Itaú do Instituto Alana, uma entidade muito bem concebida com quem eu particularmente sempre tive excelente relação. Algumas entidades, entre elas o Instituto Alana, estiveram à frente de uma grande campanha para acabar com a publicidade e, de certa forma, tiveram êxito. Hoje, quase não existe mais publicidade de produtos destinados a crianças. E a gente avisava com insistência a consequência disso. E qual foi a consequência disso? O Brasil praticamente não produz mais conteúdo para a criança o adolescente e importa enlatado norte-americano. Por quê? Ora, porque o mercado não sustenta essa produção. Então, o que nós dizíamos: não temos de banir a propaganda da criança, o que nós temos é fazer uma propaganda que não cause problema, danos à formação da criança do adolescente, é isso o que nós temos fazer, vamos discutir o mérito da propaganda e vamos para dentro do CONAR discutir isso. Bem, e qual era o argumento deles?
Segundo eles, o CONAR é uma entidade das empresas que defende a propaganda, ou seja, era tudo o que nós não queríamos. O que nós queríamos é o CONAR fosse exatamente um fórum com a credibilidade da sociedade civil para poder dizer “opa, vamos sentar lá no CONAR e discutir um anexo, as restrições que são absolutamente cumpridas por todos os veículos de comunicação em relação à propaganda. Então, esse caso do Instituto Alana foi um embate forte, e haviam setores do governo que também queriam essa proibição, principalmente ligados ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Pois bem, é como eu sempre digo: é muito fácil você ter um problema com as crianças e adolescentes e, como solução, proibir a propaganda, ou seja, jogue a responsabilidade para outro. E acabam não trabalhando no que tem que trabalhar, ou seja, nas políticas públicas de educação, sobretudo. E o Palavra Aberta, de uma certa forma, veio pra fazer este alerta. Olha, vocês estão indo pelo caminho errado, e uma das coisas que o Instituto Palavra Aberta abraçou desde o início… quer dizer, nós estamos vendo hoje o dano que essas redes sociais causam nas nossas crianças e adolescentes, isso é notícia no mundo inteiro.
Naquela época, há 15 anos, o Palavra Aberta, vendo e estudando profundamente experiências internacionais, foi pioneiro no Brasil na educação midiática, exatamente nesta linha que nós preconizamos. De que era preciso ter uma um órgão da sociedade civil com esta capacidade de fazer uma provocação aos setores públicos e a outros setores da sociedade para educação, para as formas de se resolver isso sem o banimento da propaganda. Agora mesmo, eu vou dar um exemplo. Estava-se discutindo há pouco no Congresso sobre a propaganda das chamadas bets, e aí levantaram-se muitos dizendo “tem que proibir propaganda de bets”. Ora, fizeram isso na Itália, e sabe qual foi a consequência? O consumidor não sabia, quando recebia pela internet uma propaganda, se aquela empresa de bet era legal ou ilegal. A proliferação de jogo ilegal de Itália foi absurda. Então a propaganda que diz “olha aqui é um órgão autorizado pelo governo com regras, com respeito… então a propaganda é necessária para o esclarecimento da sociedade no que ela vai consumir. Inclusive nos danos que eventualmente aquele produto pode causar.
Instituto Palavra Aberta – Como o senhor vê esse desafio comercial em relação às redes sociais e as mídias interativas?
Paulo Tonet Camargo – Esses desafios são outros, pois há 15 anos o foco desses órgãos e dessas ONGs que queriam proibir a propaganda era o rádio, a televisão, os jornais e as revistas. A internet existia, mas não como no modelo de atualmente. Não era um player do mercado, e hoje ela é um player significativo no mercado publicitário, com uma forma de controle muito mais difícil. Primeira dificuldade: eles não se submetem à autorregulamentação como nós nos submetemos. E nós temos dito a eles, “olha, vocês têm de vir aqui participar”. Do contrário isso vai acabar mal. Vai haver uma, digamos assim, uma insatisfação da sociedade em relação ao que vocês estão fazendo. E através da autorregulamentação a gente se submete a regras que são normas de publicidade saudável para sociedade. Dessa forma, eu acho que hoje os desafios são completamente diferentes, e acredito que o Instituto Palavra Aberta está focado, de forma acertada, no tema da educação midiática. Nós temos que explicar para a sociedade, especialmente para os jovens, crianças e adolescentes, como é que se consome essa publicidade, e como é que se vacina contra as fake news. Como é que eu leio conteúdo da internet, como garantir educação para permitir que essas pessoas saibam ler o conteúdo da internet e não saiam por aí compartilhando qualquer barbaridade que recebem nas suas redes sociais.
Instituto Palavra Aberta – A propaganda ilegal, falsa, espalhada nas redes sociais é cada vez mais intensa, segundo estudos nacionais e internacionais. Há muitos golpes em curso que, infelizmente, não estão sendo coibidos.
Paulo Tonet Camargo – Sem contar que hoje uma criança de 10 anos de idade entra no mundo da internet e não há restrição, ela acessa propaganda de cigarro, cerveja, o diabo, sem contar a chamada propaganda enganosa, criminosa, e isso tem sido uma realidade. Como é que nós vamos resolver isso? É sim a mão do Estado atacando esses criminosos, por um lado. Mas nós só vamos resolver isso mesmo no momento em que as pessoas souberem consumir o conteúdo da internet, seja o conteúdo em si ou a publicidade.
Instituto Palavra Aberta – O que o senhor acha que falta para potencializar essa educação midiática? O Palavra Aberta é uma liderança importante e tem feito um trabalho cada vez mais profundo, mas parece que a sociedade ainda está muito distante da realidade.
Paulo Tonet Camargo – Vou te responder com um outro questionamento. A distância que a sociedade está da educação midiática é, na verdade, a distância que a sociedade está da educação como um todo, não é apenas um problema da educação midiática. É um problema da educação. A sociedade brasileira, infelizmente, não tem consciência do poder transformador da educação. É por isso que a educação é um problema no país. É verdade que o Brasil é, hoje, uma região mais instruída do que era há 50 anos. Entretanto, a consciência da necessidade da educação parece que decresceu, infelizmente.
Instituto Palavra Aberta – E quais são os próximos desafios da Palavra Aberta?
Paulo Tonet Camargo – Acho que é aprofundar essa tentativa de universalização da educação midiática, o estudo e a prevenção dessa publicidade enganosa que está aí. Eu acho que são dois pontos que a entidade deve desenvolver no médio e no longo prazo.
Instituto Palavra Aberta – O senhor acha que o jornalismo tem um papel importante nisso tudo?
Paulo Tonet Camargo – Fundamental, fundamental, e os jornalistas têm denunciado isso. Aliás, se não fosse o jornalismo profissional e independente, essas distorções nas redes sociais não viriam à tona. Temos reportagens aí em todos os meios de comunicação mostrando o que é essa barbaridade. O jornalismo profissional e independente nunca foi tão relevante nas sociedades, no mundo, como é hoje. Repito: o jornalismo profissional e independente, não o jornalismo engajado, porque esse trabalha de acordo com o interesse político de onde ele está engajado, e não reportando os fatos, mas sim uma opinião enviesada por um claro ativismo.