O dilema das redes se resolve com educação midiática

O dilema das redes se resolve com educação midiática 1024 683 Instituto Palavra Aberta
*Mariana Mandelli

É difícil terminar “O Dilema das Redes” sem sentir desesperança em relação ao espaço que a cultura criada pelas plataformas digitais ocupou nas nossas vidas, tanto como indivíduos quanto como sociedade. A sucessão de cenas e depoimentos apocalípticos do documentário monta um quadro melancólico de ser contemplado, cujos elementos não são exatamente novos mas, ao serem associados a algo tão presente nas nossas vidas –as redes sociais–, deixam uma sensação de impotência e angústia quando sobem os créditos finais.

A nova produção da Netflix estreou neste mês no Brasil e vem arrebatando audiências amedrontadas com a crueza dos testemunhos de ex-funcionários do Google, Facebook e Twitter quanto ao potencial que os algoritmos criados por essas empresas têm de manipular comportamentos e opiniões, impulsionando a corrosão de sistemas democráticos, campanhas de ódio e ondas de desinformação.

Em meio a dezenas de relatos, incluindo entrevistas com pesquisadores de instituições renomadas de ensino, o telespectador se dá conta da capacidade maléfica dessas plataformas, que podem exibir desde “inocentes” propagandas de sapato a perigosos discursos conspiratórios que contribuem para a polarização de ideias, conduzindo a opinião pública de modo a impactar eleições e provocar incitação à violência.

O documentário assusta por didatizar para o público geral discussões que há anos movimentam academia, pesquisadores autônomos, sociedade civil organizada e empresas de comunicação. Não é de hoje que se alerta para os riscos do chamado capitalismo de vigilância em que vivemos.

A resposta para uma questão de tamanha complexidade não é simplória. Exigir uma posição mais transparente e ética das plataformas é urgente, e tal debate vem ganhando cada vez mais espaço na esfera pública desde o escândalo da Cambridge Analytica e a consequente cobrança por respostas do Facebook por parte do legislativo norte-americano. O episódio é tema de outro documentário da Netflix, “Privacidade Hackeada”, lançado em 2019.

A organização da sociedade civil com foco nessas pautas também vem crescendo, e movimentos como o Sleeping Giants e o Stop Hate for Profit são apenas exemplos mais novos desse embate, que vem conscientizando populações mundo afora.

Mas o que eu, como “usuária” (termo criticado no filme por ser associado ao vício), posso fazer? Apagar todos os meus perfis, como Jaron Lanier, autor de “Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais”, pede? Se temos alguma agência nesse processo –e temos, apesar de o filme ignorá-la–, qual seria ela?

Para responder à última pergunta, é importante fazer outras: Eu sei proteger meus dados? Leio os termos das redes em que crio perfis? E dos aplicativos que baixo? Eu leio um texto todo antes de deixar meu like? E a legenda das fotos no Instagram? Eu compartilho coisas sem checar? Sei diferenciar o que é um fato do que é uma opinião? Eu me informo por veículos de jornalismo profissional? Sei o que é um algoritmo? Entendo como funcionam as plataformas de impulsionamento das redes sociais que uso? Compreendo que certos conteúdos na minha timeline foram patrocinados?

A nossa resposta para a maioria dessas questões é um simples “não”. Não se trata de culpabilizarmos o usuário, mas de passarmos a entender exatamente qual o nosso papel na era da hiperinformação. Novamente: é óbvio que as empresas têm uma enorme responsabilidade –e o caso da Cambridge Analytica deixa isso evidente–, mas somos realmente tão passivos assim?

Hoje, convivemos com o problema sem ter a plena consciência dele – e é por isso que “O dilema das redes” parece tão aterrorizante: por nos mostrar o que deveríamos saber e que não sabemos, e não apenas porque falta transparência por parte das companhias de tecnologia, mas porque não fomos educados midiaticamente para isso.

Não fomos ensinados a ler, escrever e participar do mundo conectado de maneira consciente e responsável. Não desenvolvemos habilidades para acessar, analisar e criar de modo crítico do ambiente informacional e midiático. O mundo mudou muito rápido e acabamos automatizando uma série de comportamentos que exigem autonomia e empoderamento.

Aprender a furar bolhas informacionais, criar uma dieta informacional variada, diferenciar gêneros jornalísticos, checar informações, diminuir o tempo de tela e compreender o papel da imprensa são algumas dessas competências necessárias para viver de forma mais saudável nesse contexto calamitoso.

É por isso que iniciativas de educação midiática devem ser valorizadas e realmente implementadas dentro e fora das escolas. Precisamos compreender que um trabalho educativo nesse sentido é urgente. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê o desenvolvimento dessas competências nos currículos escolares brasileiros, mas ainda são necessários materiais pedagógicos e formação docente, questões que projetos como o EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta, tentam resolver.

Para solucionar o tal problema das redes, é necessário também um “trabalho de formiguinha” que mostre a nossa responsabilidade e nos deixe cientes dos riscos e potências delas. Com essa consciência, poderemos tirar melhor proveito de todos os benefícios –que são muitos– que a tecnologia e a internet nos trouxeram. Cabe a nós, humanos, tomarmos a dianteira do processo de resolução desse dilema.

*Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.

Imagem: Camilo Jimenez/ Unsplash

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