Passado e Presente

Passado e Presente 630 345 Instituto Palavra Aberta

* Patrícia Blanco

Como os meios digitais podem registrar e difundir a memória das violações de direitos humanos no Brasil?

Em debate na sede do Google Brasil, em São Paulo, no dia 9 de setembro, duas realidades práticas – as exposições “Resistir é preciso…”, uma análise do período ditatorial, e “Memória Massacre Carandiru” – servem de metáfora para as vastas possibilidades. Isto porque o problema da violência, nas suas múltiplas dimensões, não terminou com o regime militar e, pelo contrário, vem se acirrando a cada instante.

Os dados da realidade demonstram. Pelo que foi apresentado no debate, no qual participaram o Instituto Vladimir Herzog e a Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação (ANDHEP), o cotidiano brasileiro é de extrema violência: são 65 mil homicídios por ano, sem contar a superlotação dos presídios, as torturas de presos comuns, a violência policial, os grupos de extermínio e o próprio ambiente social, permeado pela cultura de que os impasses são resolvidos, e não é bem assim, com a preponderância da “lei do mais forte”, o ódio e a intolerância. Mas o Brasil repete seus dramas macabros porque em lugar de enfrentá-los, os rejeita, e procura escondê-los em algum arquivo morto do passado.

Acervos como “Resistir é Preciso…” e “Memória Massacre Carandiru” tratam de um mesmo tema, em épocas diferentes: o primeiro se refere às perseguições, torturas e mortes no decorrer da ditadura militar; o segundo traz à tona o massacre de 1.300 presos em 2 de outubro de 1992, já no período democrático. Ambos, demonstram que o espectro da ditadura ainda ronda a sociedade e projeta sua sombra sobre as atuais gerações. A novidade é que hoje se pode contar com os meios digitais para universalizar a memória dos fatos. Foi o que mostrou o debate organizado pelo Google Cultural Institute, criado em 2011 e com crescente presença no mundo.

É um trabalho dos mais meritórios, que exige trabalhos em diversas frentes. Superar a violência vai além, muito além, do registro e da informação. Exige educação para a democracia. Exige democracia plena. Uma das dimensões do pensar nesse sentido envolve a facilidade de acesso a documentos oficiais que tratem de violações dos direitos humanos e suas consequências. O ideal democrático é que nada seja secreto ou escondido. Não havendo segredos, a tendência é que a regra não seja mais a violência.
Outro pilar da democracia plena é a liberdade de expressão e de imprensa. Pois é a imprensa que, ao divulgar os fatos, chama atenção da sociedade. E, há ainda, um terceiro aspecto: a educação com ênfase aos direitos humanos é que vai transformar as pessoas e seus hábitos. Não pela força da lei, mas pela força convincente das atitudes.

O contrário da violência não é o esquecimento, mas sim a repetição. Não se deve esquecer os fatos para que eles não se repitam. Esse é um dos grandes papéis da tecnologia digital. A memória precisa fazer parte do espírito da cidadania e da vida pública. Os vícios dos regimes ditatoriais devem ceder lugar às virtudes da sociedade democrática. Daí o não esquecimento precisar existir nos meios virtuais. Não pode ser apagado para, justamente, ganhar dimensão pública permanente.

O caminho a percorrer é longo, mas não impossível. A evidência é que muitas ideias de respeito aos direitos humanos, como a Comissão Nacional da Verdade e seus desdobramentos nos Estados, ganham atualidade. Há no Brasil um renascimento do humanismo e do culto à liberdade. Nada é fácil, mas o sentimento ético tem preponderado. O otimismo, como definiu um dos participantes do debate, é um imperativo ético. Assim, torna-se vital que as tecnologias digitais ampliem os espaços públicos para a memória das violações dos direitos humanos, sempre com o firme propósito de combater a ideia de que o passado não mais se faça presente na história.

* Patrícia Blanco é presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta

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