Paulo Freire sabia que educação sem comunicação não transforma
Paulo Freire sabia que educação sem comunicação não transforma https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Instituto-Paulo-Freire.png 640 428 Instituto Palavra Aberta https://www.palavraaberta.org.br/v3/images/Instituto-Paulo-Freire.pngBruno Ferreira*
Imagem: Acervo Instituto Paulo Freire
Nos anos 1920, o educador Célestin Freinet introduziu uma impressora em sua prática pedagógica, numa escola precária da aldeia Bar-sur-Loup, no sul da França, onde lecionava para uma turma multisseriada. Essa inovação transformou o método de Freinet que, ao propor aos estudantes a produção de um jornal, fez com que eles se comunicassem mais entre si e com a comunidade, dando novo sentido e significado à produção de textos, que deixavam de ser apenas um instrumento de avaliação (lidos somente pelo professor) para se tornarem referência midiática para a comunidade.
Na mesma época, mas em outro continente, Paulo Freire vinha ao mundo e se tornaria, décadas depois, uma das principais referências mundiais de educação. Freire — assim como seu quase xará Freinet — também entendia a comunicação como central nas práticas educativas. Em sua obra Extensão ou Comunicação?, Freire diz que “(…) a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas em sua coparticipação no ato de compreender a significação do significado. Esta é uma comunicação que se faz criticamente”.
Ao falar em comunicação, Freire defende, definitivamente, que educação não é transmissão de conhecimento, mas uma construção em comunhão, que envolve participação, perspectiva que reconhece o saber prévio do educando e o valoriza. Assim, Freire propõe o diálogo como método de uma educação comunicativa, capaz de desenvolver autonomia e criticidade.
Dessa maneira, sua obra passou a fundamentar estudos e inovações práticas que inter-relacionam comunicação e educação, como a educomunicação, campo de intervenção social cujas práticas de uso e apropriação crítica dos meios de comunicação em contextos educativos ibero-americanos foram identificadas e sistematizadas sob a liderança de Ismar de Oliveira Soares, professor e pesquisador da Escola de Comunicações e Artes da USP, no final dos anos 1990.
Assim, o que hoje é defendido como educação midiática — a habilidade para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos — tem muita convergência com os pensamentos de Paulo Freire.
Diferentes diretrizes educacionais, tanto as específicas de alfabetização midiática e informacional, como o currículo para a formação de professores da UNESCO, quanto as que contemplam toda a educação básica, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), defendem que a escola seja um espaço em que estudantes aprendam a se relacionar com as mídias e com a sociedade de forma crítica, ética e transformadora, valores que permeiam diferentes obras de Paulo Freire.
A educação midiática também encontra respaldo nas ideias de Freire por entender a comunicação como um direito da criança, do adolescente e do jovem, sem o qual não é possível desenvolver habilidades essenciais para viver na sociedade hiperconectada do século 21, cujos recursos midiáticos e digitais convidam todos, diariamente, a produzir conteúdos sobre si mesmos e sobre o seu entorno.
Por isso, a educação midiática incentiva que educadores estimulem seus estudantes a explorar as mídias para ler criticamente o mundo, apropriando-se delas para se expressar e não apenas para sistematizar conhecimentos. A ideia é, portanto, que crianças e jovens sejam capazes de colocar seus conhecimentos a serviço da comunidade, tal como a proposta pedagógica de Freinet no início do século passado.
Nesta segunda década do século 21, em que produzimos e somos expostos a uma grande quantidade de mensagens, a comunicação — dialógica — parece ser um desafio ainda mais complexo. Isso porque o excesso de informações em circulação, como nos alerta o sociólogo francês Dominique Wolton, não garante mais entendimento e diálogo, mas o seu revés: a incomunicação.
Em tempos de acirramento da intolerância e de grande circulação de discursos de ódio, a perspectiva de educação de Paulo Freire como ato de amor e comunhão segue inspirando iniciativas de educação midiática, convidando professores e estudantes a fazer do ambiente midiático e informacional um espaço de efetiva comunicação.
*Bruno Ferreira é assessor pedagógico do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta