A educação midiática como direito

A educação midiática como direito 1024 721 Instituto Palavra Aberta
Patricia Blanco*

Imagem: Bermix Studio/Unsplash

Não é de hoje que batemos na tecla da importância de investir recursos e energia visando a melhoria da educação no Brasil. Essa afirmação, que virou lugar comum para muitos, aparece em 10 de cada 10 programas eleitorais de qualquer pretendente a cargo eletivo – de vereador a presidente –, mas ganhou pouco espaço na prática.

Ao olharmos o cenário atual, mesmo com essa “quase” unanimidade nas campanhas, ainda nos deparamos com uma triste realidade: 67% dos jovens de 15 anos no Brasil – quase 7 em cada 10 – não conseguem diferenciar fatos de opiniões quando fazem leitura de textos (OCDE, maio de 2021); 30% da população tem dificuldade para interpretar textos e são considerados analfabetos funcionais, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf); 1,4 milhão de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos estão fora da escola, de acordo com estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Sem contar o  abismo de desigualdade de acesso que a pandemia escancarou. 

Falar em educação midiática nesse cenário pode parecer descabido quando nos deparamos com problemas maiores como o simples acesso – físico ou remoto – à escola, por exemplo. O fato é que, se realmente quisermos preparar crianças e jovens para atuarem de forma plena na sociedade conectada do século 21, precisamos encarar a educação midiática como pressuposto fundamental para o desenvolvimento dessa geração, de forma que os estudantes de hoje se tornem cidadãos aptos a atuar de maneira ética e responsável em qualquer ambiente – seja no digital ou fora dele. 

Ainda que o acesso à informação e à tecnologia não seja universal, crianças cada vez mais novas, de qualquer faixa de renda ou localidade, estão tendo acesso a ferramentas digitais que permitem a elas ver o mundo a partir das telas de dispositivos móveis, ao alcance das mãos. Sem um mínimo de preparo ou mediação de pais e responsáveis, essa ferramenta pode se transformar numa verdadeira fonte de problemas. Por outro lado, se bem utilizada, se transforma numa grande janela para o conhecimento. 

Assim, minimizar os riscos e ampliar as oportunidades passa a ser um objetivo que deve ser perseguido por todos. Ensinar crianças e jovens a acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica e segura do ambiente informacional e midiático, em todos os seus formatos, é uma necessidade urgente. Como diz a professora Renee Hoobs, uma das principais especialistas no tema, os resultados serão de longo prazo, mas as ações de educação midiática precisam começar imediatamente. Não podemos mais esperar.

Foi com o objetivo de capacitar e engajar professores e organizações de ensino no processo de educação midiática de jovens que o Instituto Palavra Aberta lançou, em junho de 2019 – há exatos 2 anos –, o EducaMídia. Nestes dois anos, o programa se fortaleceu e os resultados começaram a aparecer. O tema entrou na agenda, desenvolvemos inúmeros materiais e planos de aula, formamos uma rede de multiplicadores espalhados pelo Brasil e impactamos mais de 650 mil alunos. Certificamos cerca de 22 mil educadores via curso EAD, formações presenciais e formação 100% online, e firmamos convênios e termos de cooperação com redes estaduais e municipais de educação, visando oferecer treinamento e recursos aos professores e alunos. 

Se, por um lado, os resultados são bastante animadores e nos incentivam a continuar, por outro vemos a imensidão do Brasil e o desafio de ampliarmos a nossa atuação tanto regionalmente como também para públicos diversos, dentro e fora do ambiente formal de educação.

O ganho de escala sempre foi uma meta e hoje, graças ao novo aporte financeiro do Google.org e ao apoio dos fundadores do Palavra Aberta, teremos condições de alcançar esse objetivo. Serão mais 5 milhões de reais, a serem investidos até 2023, que nos permitirão dar seguimento à formação de educadores, à produção e à oferta de materiais pedagógicos e planos de aulas, sempre de forma gratuita, além de possibilitar a ampliação das ações do EducaMídia para todo o território nacional. Permitirão também ampliar o público a ser atingido para além dos muros das escolas, como comunidades vulneráveis, jovens eleitores e geração 60+. 

Os ganhos da educação midiática são inúmeros. Para o pesquisador italiano Paolo Celot (EAVI), “ser educado midiaticamente não é mais uma vantagem competitiva, mas sim uma desvantagem debilitante não ser”. Para a UNESCO, a educação midiática empodera o cidadão e deve ser encarada como um aprendizado para a vida toda. 

Para nós do Palavra Aberta, a educação midiática é inclusão e cidadania. Transforma informação em conhecimento e prepara o indivíduo para que ele possa, de forma ética, responsável e segura, exercer o seu direito fundamental à liberdade de expressão. E, por todos esses motivos, precisa ser entendida como um direito de todos. 

 

*Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta

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