“Adolescência” expõe a desconexão entre adultos e os hábitos digitais de jovens

“Adolescência” expõe a desconexão entre adultos e os hábitos digitais de jovens 600 337 Instituto Palavra Aberta

*Bruno Ferreira é coordenador pedagógico do Instituto Palavra Aberta

Se você tem interesse pela minissérie “Adolescência”, mas ainda não a assistiu, é importante saber que este artigo contém spoilers.

A produção britânica, da Netflix, tem chamado a atenção de educadores, mães e pais por abordar um drama familiar envolvendo um assassinato cometido por um adolescente contra uma colega da escola. A história trata mais especificamente da repercussão da prisão de Jamie Miller, de 13 anos, por matar Katie Leonard, da mesma idade, bem como as consequências para o jovem, sua família e a comunidade escolar.

O crime, no entanto, está inserido em um contexto amplamente desafiador, em que diversos acontecimentos e condutas vão se acumulando para gerar um processo complexo e trágico. A maneira como os adolescentes lidam com a internet e transitam pelas redes sociais é uma parte do problema e chama atenção por estarmos mais sensíveis ao tema do uso das tecnologias digitais por jovens.

A produção destaca uma atmosfera escolar nociva, física e virtualmente, na qual agressor e vítima conviviam, de relações baseadas em sucessivas violências simbólicas, calcadas em compartilhamentos de fotos íntimas, bullying e cyberbullying. Os professores também aparecem em situações problemáticas, em que buscam exercer a autoridade de forma truculenta. Além disso, os estudantes comunicam-se entre si, pelas redes sociais, usando de uma gramática indecifrável para os adultos — com significados específicos contidos nos emojis usados — com o intuito de constranger e humilhar uns aos outros.

Algo semelhante ocorreu recentemente, na vida real, em um colégio de elite de São Paulo, em que 34 estudantes foram suspensos por praticar cyberbullying contra colegas, em um grupo de Whatsapp. Assim como na série, esses processos não eram de conhecimento de  pais e educadores até serem denunciados. Talvez seja justamente por isso que “Adolescência” tenha repercutido como um soco no estômago.

A produção da Netflix é bastante oportuna por expor o quão vulnerável é a adolescência contemporânea ante a omissão adulta, ainda que não deliberada, na escola e no lar, frente aos seus hábitos digitais silenciosos. Estes contribuem para sua formação identitária, que pode ser permeada por dismorfias e transtornos se não for elaborada em processos dialógicos e acolhedores. Cabe-nos, enquanto educadores ou adultos responsáveis por crianças e adolescentes, identificar indícios de que algo não vai bem, para intervir com diálogo.

As desconexões entre instituição de ensino, estudantes e responsáveis presentes na minissérie nos lembra que famílias e escolas precisam agir juntas na educação socioemocional e midiática dos adolescentes. As reflexões sobre cidadania digital já propostas pelos currículos precisam ressoar nos lares, com mães e pais mais disponíveis e interessados no que seus filhos e filhas fazem online.

As práticas de educação midiática contribuem nesse sentido, uma vez que estabelecem momentos específicos para refletir sobre a relação dos jovens com as mídias, que levam à construção de um uso mais saudável e empático dos recursos e ambientes virtuais.

A produção evidencia que as interações por celular ou computador são hoje centrais na vida dos adolescentes para que sejam ignoradas por nós. Mas quando as mídias são temas frequentes de debate, seja na escola ou em casa, seus hábitos online deixam de ser tabu, passando a ser consequentemente acompanhados pelos adultos e mais refletidos pelos jovens.

Mães, pais e educadores que pautam no dia a dia conversas sobre o que se faz e o que se vê nas redes contribuem para que os jovens desenvolvam não apenas senso crítico com relação às mensagens que disseminam e acessam nas redes sociais e outras plataformas, mas também autopreservação, autocuidado e respeito pelo outro em qualquer interação. 

 

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