Especialista defende menos pânico e mais educação no debate sobre crianças e adolescentes na internet

Especialista defende menos pânico e mais educação no debate sobre crianças e adolescentes na internet 1024 683 Instituto Palavra Aberta

Daniela Machado é coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta*

Crianças e adolescentes têm muito a ganhar quando aprendem a lidar com os ambientes digitais de forma crítica e responsável. Mais do que o medo, é a maestria em uma série de habilidades para ler o mundo e dele participar que pode protegê-los dos riscos e desafios que, infelizmente, existem aos montes.

Essa abordagem mais focada na educação dos jovens do que na crença de que é possível blindá-los de todos os males está no centro do trabalho do pediatra e pesquisador Michael Rich, que veio ao Brasil para o lançamento da edição em português de seu livro “O Guia do Midiatra — Como Criar Crianças Saudáveis, Inteligentes e Respeitosas em um Mundo Saturado de Telas”.

“Quando colocamos toda a nossa energia na discussão sobre ‘segurança na internet’, estamos dizendo aos filhos desde o início que a internet representa apenas perigo. Deveríamos nos concentrar em ‘maestria na internet’, já que este é o ambiente em que eles vivem e no qual precisam ser competentes”, afirmou em conversa com especialistas organizada pelo Instituto Palavra Aberta.

À frente do Digital Wellness Lab (Laboratório de Bem-Estar Digital), ligado ao Boston Children’s Hospital e ao Harvard Medical School Teaching Hospital, Rich conduz pesquisas para entender como o uso de mídias interativas impacta a saúde mental, social e emocional de crianças e adolescentes. Também é um dos coordenadores da clínica para distúrbios ligados ao uso da internet e de mídias interativas (Cimaid, na sigla em inglês) no hospital de Boston.

De sua experiência prática, o pediatra traz a mensagem de que, embora os comportamentos extremos existam, é necessário analisá-los em perspectiva. Ao comentar a série “Adolescência” (Netflix), por exemplo, Rich reconhece seu poder de chamar a atenção para assuntos tão sérios, mas avalia que a produção pecou ao insinuar como padrão um comportamento tão específico. “É claro que precisamos falar de masculinidade tóxica, é claro que precisamos falar que algumas pessoas se sentem seguras escondidas atrás de um nome de usuário online… Mas a situação tratada na série é uma experiência extrema, não a norma.”

Para Rich, precisamos de um esforço coletivo para que os mais jovens tenham boas experiências nos ambientes que já fazem parte de sua vida (“As telas não vão desaparecer”, lembra). Por isso, busca dialogar com diversos agentes: governos, empresas, famílias. Entre os apoiadores do Digital Wellness Lab estão companhias de tecnologia, listadas no site do programa.

No livro, dirige-se principalmente às famílias por entender a angústia sentida por pais, mães e cuidadores em geral. Defende que, ao invés de impor regras rígidas ou optar única e exclusivamente pela proibição das telas, abracem um caminho de orientação, escuta ativa, coparticipação e empatia, preparando crianças e adolescentes para navegar o mundo digital com autonomia, responsabilidade e bem-estar. E traduz essa abordagem em 3 Ms: modelo, mentoria e monitoramento.

Segundo Rich, a primeira meta para mães, pais e responsáveis é “ser a mudança que queremos ver”, ou seja, modelar os comportamentos esperados. “Educar bem no ecossistema digital é um processo de estabelecer expectativas, e não simplesmente impor regras”, afirma no livro. A mentoria envolve acompanhar de perto as crianças e os adolescentes em sua jornada nos ambientes digitais, não em uma única conversa mas ao longo de todos os anos de construção de autonomia para a vida adulta. Nesse caso, é preciso adaptar as discussões e os combinados para cada faixa etária e para os diferentes graus de maturidade que variam de criança para criança. Paralelamente, os responsáveis devem monitorar a presença digital dos jovens e, para que a proposta funcione, o pediatra destaca que é preciso conversar e explicar por que o monitoramento é importante.

Rich recomenda também que o combinado da família vá além do “tempo de tela”, e considere principalmente “para que é usada e o que tem sido deixado de fazer por sua causa”. E completa: “Quando as famílias me perguntam sobre controle parental, costumo dizer que a melhor ferramenta é a que está entre as orelhas de seus filhos. Precisamos parar de ser polícia e começar a apoiar o sucesso deles.”

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